Imigração. Histórias de quem escolheu Portugal e quer ser fiel ao compromisso

Imigração. Histórias de quem escolheu Portugal e quer ser fiel ao compromisso


Portugal não é só um país de emigração. Os estrangeiros que vieram para Portugal construir a vida sentem-se em casa.


Portugal é um país espalhado pelo mundo. A prova é o número de emigrantes que todos os anos sai em busca de melhores condições de vida. Mas há também quem esteja na situação oposta e escolha chamar “casa” a este rectângulo à beira do oceano. Não vêm pelas praias nem pelo clima. A família é sempre o factor fundamental. 

Mika Palo nasceu há 49 anos em Helsínquia. Trocou a cidade que o viu nascer por Tomar em 1999 por causa de uma “sardoalense encantadora chamada Maria do Carmo”. Tinham casado três anos antes e, durante esse período, Mika tentou levar “Carminho” para a fria Finlândia. Sem sucesso: “Após viver entre os dois países, decidi experimentar viver exclusivamente em Portugal, um país que adorava.” Mas trazia uma carta escondida na manga que ajudou na adaptação: “Tinha estudado a língua e a cultura na universidade, mesmo antes de ter conhecido a minha mulher.” 

Ruth Kristin Krog – ou Kikka – também escolheu Portugal para viver. É norueguesa, tem 37 anos e está no nosso país há seis. Tal como Mika, os primeiros anos foram passados na divisão entre as origens e a “casa emprestada”:“Há três anos e meio mudei-me em definitivo para Lisboa.” A vida de Kikka, jornalista freelancer, mudou quando decidiu vir de férias para Portugal: “Em 2007 estava de férias em Lisboa e… conheci o meu marido.”A decisão de mudar para o nosso país não foi difícil: “Uma vez que ele tinha cá a sua empresa e o meu emprego não era fixo, foi mais prático mudar-me para cá. Estou muito contente por ter tido esta oportunidade.” 

A história de Mika Palo começa muito antes. Tem início no hobby da sua adolescência: ouvir emissoras de rádio de todo o mundo pela onda curta. “Para conseguir receber pelo correio os cartões QSL (de verificação de recepção) das várias emissoras brasileiras cujos sinais conseguia captar pela madrugada na Finlândia, tinha de escrever os relatórios em português”, conta. Aprendeu a língua por ele próprio, contando com a ajuda indispensável de um manual, um dicionário e do clube finlandês dos ouvintes da onda curta. Menos de dez anos depois, fez um interrail com um amigo e passou 11 dias em Portugal: “Nessa altura dei-me conta de que já conseguia comunicar em português!”

O português difícil

Mas a língua pode ser um verdadeiro obstáculo. Para a norueguesa Kikka, ainda hoje o é. “Estou a debater-me com o português, que penso que é complicadíssimo de aprender.” Entender o que dizem também não se afigura tarefa fácil: “Mesmo depois destes anos em Portugal, é nisso que tenho mais dificuldade.” Refugia-se no inglês sempre que pode porque “a maioria dos portugueses fala muito bem”. 

A adaptação a nível cultural foi fácil. A abertura e a hospitalidade dos portugueses apresentaram-se como factores fundamentais: “Do que mais gosto neste país é a tolerância. Sinto que, em geral, todas as pessoas são bem-vindas”, explica a norueguesa. Já Mika, que actualmente ensina finlandês em universidades e institutos de línguas, gosta de “imensas coisas em Portugal” mas destaca, em primeiro lugar, as pessoas “extremamente afáveis”. Só depois vem a “história e património culturais fantásticos, o clima agradável, as lindíssimas e variadas paisagens naturais e a excelente gastronomia”. Só vantagens. 

Todos diferentes, todos iguais?

Cultural e socialmente, as diferenças entre o norte e o sul da Europa são notórias. Kikka é mãe de três crianças e está mais sensível às questões da parentalidade: “Estamos num bom país para educar. Gosto do modo como as pessoas, muitas vezes completos estranhos, se relacionam com os meus filhos”, conta. Sempre que vão ao parque ou a um centro comercial, “há alguém que fala ou conta uma piada às crianças. Isto nunca aconteceria na Noruega”. Para Kikka, Portugal ainda tem um longo caminho a percorrer nas questões dos direitos dos pais: “Aqui, a mãe e o pai não podem ficar um ano inteiro de licença mantendo o salário, tal como acontece na Escandinávia.” Mas, por outro lado, temos vantagens que o norte nem sequer sonha: “As grávidas e as crianças têm prioridade em muitos sítios. Na Noruega encontramos sinais nos cafés a informar que as mães não podem entrar com os carrinhos. E também não têm qualquer tratamento especial na fila do supermercado.” 

Mika ressalva que na Finlândia “há mais justiça social e uma mais justa distribuição da riqueza” do que em Portugal. Como exemplos, destaca que não se pagam propinas nos mestrados e doutoramentos “devido a uma grande aposta do Estado no ensino e na investigação”. No seu país de origem, o cidadão comum sente confiança no governo: “Em Portugal parece-me claramente haver mais corrupção e os partidos políticos ainda não aprenderam a trabalhar pelo bem comum.” Mas há também características que os finlandeses podem aprender connosco: “Parece-me que no meu país as pessoas são mais solitárias, individualistas e quase sem vida social”, desabafa Mika. 

As saudades são o maior problema. “Sinto a falta da natureza, do silêncio e da calma que conseguimos encontrar mesmo numa grande cidade como Oslo”, conta Kikka, acrescentando que a quantidade de carros em Lisboa a tira do sério:“Queria que viesse um OVNI e aspirasse todos os carros da cidade”, brinca. Não ouvir a sua língua enquanto passeia nas ruas é outra das mágoas da norueguesa: “Tenho muitas saudades disso.” 

Mika sente a falta das mesmas sensações. Além da inevitável saudade da família e amigos, não consegue esquecer os dias em que esquiava nas florestas cobertas de neve e a nostalgia que lhe traz o sol da meia-noite no Verão e a sauna à beira de um belo lago.

Voltar

Mika e Kikka escolheram Portugal para viver e querem ser fiéis a esse compromisso. Não têm intenções de regressar a médio prazo aos países que os viram nascer. “O meu primeiro motivo para cá ficar tem sido a minha família luso-finlandesa, que inclui um filho com 15 anos”, explica Mika. “Também confesso que gosto de viver em Portugal por vários motivos, apesar das várias dificuldades, como a precariedade no emprego.” Kikka alinha por esta teoria: “Desde que eu e o meu marido tenhamos um emprego com que estejamos satisfeitos, com certeza que vamos ficar”, conclui.