Cargos de topo. A afirmação dos africanos “não se faz de um dia para o outro”

Cargos de topo. A afirmação dos africanos “não se faz de um dia para o outro”


O peso da história não ajudou a que os africanos vingassem em Portugal. É uma questão de “tempo” e de “oportunidades”. Mas não só.


Muito antes dos imigrantes de Leste, os africanos foram os primeiros a chegar quando Portugal ainda tinha colónias. Depois de 1975, e com a descolonização, foram chegando cada vez mais. Apesar de o país ter uma ligação histórica com as comunidades africanas, é raro encontrar negros em cargos de topo e poucos são os que têm visibilidade pública. Os especialistas notam que de facto há dificuldades de representação destas comunidades em campos como a política e a justiça, mas salientam que, apesar de domínios e graus de desigualdade “relevantes”, há transformações importantes nas gerações mais novas. Mas a mudança ainda não fez os africanos chegarem a cargos de topo.

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Para a angolana Ermelinda Liberato, especialista em estudos africanos, a falta de representatividade das minorias africanas na sociedade portuguesa explica-se essencialmente pela própria história. “A intensificação da política colonial e o próprio modelo colonialista impediram um maior relacionamento entre europeus e africanos”, refere, acrescentando que “a luta de libertação dos povos assentava nessa separação”. A melhor preparação dos africanos não se faz de um um dia para o outro. “É preciso tempo, e muito”, acrescenta. No entanto, a especialista conclui que já houve alguma evolução, embora ainda não significativa. E isso, diz, deve-se à própria condição a que os africanos foram sujeitos ao longo dos séculos. 

O investigador da Universidade de Coimbra Pedro Góis lamenta a sub-representação destas comunidades e considera importante “um plano de ajustamento” que altere a situação a favor de uma “sociedade mais igual”. E aponta a política e a justiça como as áreas em que “espantosamente” não há negros. “Ainda temos dificuldade em lidar com a diferença, e não é apenas uma questão de cor de pele. Na ilusão de nos protegermos, rejeitamos o outro”, diz o professor, lembrando que em geral existe discriminação no acesso a postos de trabalho quando se é estrangeiro.

Para Ermelinda Liberato, que nasceu em Angola e veio para Portugal para se formar, a invisibilidade dos africanos em campos de decisão não se prende directamente com o racismo, como aconteceu no passado. “É mais uma questão de tempo e de oportunidades”, diz. Ou seja, estamos perante comunidades que, na sua maioria, se debatem com dificuldades económicas e sociais: “São pessoas carenciadas que têm de trabalhar desde muito cedo e têm com pouca escolaridade. Obviamente não têm conhecimentos e não investem em mais nada.” 

Racismo? “Não posso afirmar que os portugueses já foram mais ou menos racistas. Ninguém nasce racista, torna-se racista”, observa. Contudo, reafirma que a política colonial portuguesa, assim como a dos outros países europeus, assentava numa base racista. E isso ainda hoje se reflecte na sociedade: “Toda a educação e cultura foi assente nestes pressupostos, que de certa forma ainda vigoram nas mentes dos mais conservadores. Obviamente isto não se altera em pouco tempo.” É preciso investir em educação e em verdadeiras políticas de integração, defende. Mas este processo não pode ser unilateral. A investigadora sublinha que é preciso que estas comunidades estejam receptivas a isso: “O próprio africano negro também é racista e contra os da sua própria cor.”

Pedro Góis concorda que os esforços para alterar esta situação têm de vir dos dois lados. Apresentar os africanos “como sofredores” não é a solução, mas é determinante apoiá-los, sobretudo no campo da educação e da formação. A começar na língua portuguesa, que, ao contrário do que se diz, nem toda a gente que vem dos PALOP domina.

Invisibilidade política O presidente da Associação Cabo-Verdiana em Portugal, Mário de Carvalho, diz que há “um mito de que os africanos não participam na vida política”. Mas, no seu entendimento, não se pode restringir a participação ao voto. “Há muitos africanos que lideram associações e sindicatos”, lembra. No entanto, não conseguem dar o salto para a política. E porquê? “Porque em Portugal há uma fila enorme de favores em que não impera a competência, mas sim a cunha”, responde. 

Mário de Carvalho repara que em áreas como o desporto e as artes não há “entraves” na afirmação da sua cultura e identidade: “Quando há competência, não é possível não ser escolhido, mas na política ainda estamos muito longe disso.”

Por outro lado, refere ainda, não havendo ninguém na política que represente estas comunidades, é difícil que haja interesse no voto e na participação cívica. “Não há um elo de ligação”, constata o presidente da associação, que é também jurista. “Temos de inverter essa situação”, insiste. Apesar de ainda haver muita coisa a fazer e de este “processo ser lento”, o dirigente da associação não tem dúvidas de que já há uma evolução positiva na mudança de mentalidades. 

Segundo dados de 2013, dos mais de 400 mil estrangeiros a residir em Portugal, mais de 100 mil eram africanos, a maioria provenientes dos PALOP. Cabo Verde é a comunidade mais representada. Há cerca de 42 mil cabo-verdianos a viver em Portugal.