Os hospitais do Serviço Nacional de Saúde deverão, no futuro, passar a ser auto-suficientes na resposta aos doentes com cancro que precisam de fazer radioterapia. Esta é uma das propostas dos peritos responsáveis pela revisão das redes de referenciação hospitalar, um processo que deveria ter ficado concluído em Junho, mas que só agora começa a fechar os primeiros capítulos.
O i teve acesso aos primeiros documentos pedidos pela tutela em Agosto do ano passado. Em Junho, no parlamento, o ministro da Saúde admitiu que poderiam ser aprovados ainda durante este Verão, mas não houve, até à data, qualquer balanço oficial sobre este processo.
Em termos de paradigma do funcionamento dos hospitais, esta é, para já, a principal mudança de fundo proposta. Actualmente, 20% dos doentes que são seguidos em hospitais públicos acabam por ter de ir fazer radioterapia ao sector convencionado por falta de capacidade de resposta no Estado, e a equipa que estudou esta matéria considera que esta realidade “torna o SNS refém de uma rede que não controla e de opções técnicas tomadas por outros”, lê-se no documento de revisão da rede de radioterapia.
Os peritos defendem que o SNS deve evoluir de forma gradual para a autonomia, admitindo apenas prestações exteriores em situações “pontuais e esporádicas” – isto porque numa base rotineira, defendem, é impossível integrar os prestadores externos nos planos terapêuticos das unidades, há dificuldade em assegurar a qualidade dos tratamentos, já que a mesma não é passível de ser monitorizada pelo Estado, e verifica-se ainda a “dissolução de responsabilidades num processo crítico.”
Para garantir esta mudança, e reconhecendo “o papel importante que o sector privado teve na modernização da radioterapia em Portugal”, a equipa propõe uma mudança gradual: à medida que os 15 equipamentos que funcionam actualmente no sector privado se tornem obsoletos, deverá haver um investimento no reforço dos aceleradores lineares no SNS.
Para já, até 2018 e tendo em conta que o número de doentes com cancro tem aumentado 3% ao ano, os peritos defendem que haverá necessidade de substituir quatro máquinas nos hospitais públicos e adquirir nove. O preço dos aceleradores ronda 1,5 milhões de euros, pelo que se trata de um investimento na casa dos 19,5 milhões de euros.
A reforma O memorando de entendimento assinado em 2011 chegou a prever que o processo de reorganização hospitalar ficaria concluído em 2013. Só em Abril do ano passado foi publicada uma portaria que lançou as bases para operacionalizar o processo, determinando que passaria a haver quatro categorias de hospitais, consoante a diferenciação dos cuidados, e as alterações deveriam consubstanciar-se até ao final de 2015, portanto, já na legislatura seguinte. Dois meses depois, em Junho, o governo determinou que para alicerçar esse processo seria feita uma revisão das redes de referenciação de doentes por áreas, sendo frágil o suporte existente à data: mais de metade das 41 especialidades hospitalares nunca tinham sido objecto de qualquer rede e a maioria das existentes estavam desactualizadas. Foi determinado que, no prazo de um ano, ficariam definidas todas as redes, mas só em Agosto houve seguimento no processo, com a tutela a pedir que até Dezembro de 2014 fossem apresentadas as redes das áreas de Oncologia Médica, Radioterapia e Hematologia Clínica, Cardiologia de Intervenção, Pneumologia, VIH e Sida, Saúde Mental e Psiquiatria e Saúde Materna.
O prazo também não foi cumprido e só no mês passado as primeiras propostas foram submetidas à apreciação das Administrações Regionais de Saúde, mas não foram enviadas as redes de Oncologia, Saúde Mental e Saúde Materna, que o i sabe que foram concluídas entretanto. E só no mês passado, quando já devia ter todos os planos na mão, o governo ordenou a revisão de outras 17 redes, dando aos peritos um prazo de 90 dias que vencerá no fim de Setembro, na recta final da legislatura. O i tentou perceber junto da tutela, sem sucesso, o que motivou esta derrapagem no calendário e como se espera que os especialistas façam em três meses o que os colegas demoraram quase um ano a fazer.
mais propostas Nas propostas a que o i teve acesso, são mais os serviços que abrem do que os que fecham, e defende-se mais articulação, com a deslocação de equipas entre hospitais.
Na área do VIH propõe-se o encerramento das consultas dos centros hospitalares do Médio Ave e Entre Douro e Vouga e, em contrapartida, a abertura de valências no centro hospitalar de Leiria-Pombal e nas unidades locais de saúde do Litoral Alentejano ( Santiago do Cacém) e do Nordeste (Bragança). Apela-se ainda ao reforço de recursos humanos nos centros hospitalares de Tondela-Viseu e da Cova da Beira e na Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo, preocupação manifestada pelos peritos das diferentes áreas.
A dificuldade em recrutar mais pessoal diferenciado foi um dos motivos apontados ao i para a operacionalização das redes nos próximos tempos, o que, aliás, já acontecia com as actuais. Num ponto, os peritos são unânimes: o funcionamento das redes deverá passar a ser auditado.