“Não sei o que é, mas vi bué da gente vestida à Sporting no metro.” Na Alameda das Linhas de Torres, ali ao pé do Magriço, a caminho do estádio, esbarramos com uma conversa entre um casal sub-15. Mais uns metros e vislumbramos uma bomba de gasolina.
Entra-se na Rua José Travassos e está montado um espectáculo digno de jogo: pessoas aos magotes, um ou outro carro da polícia, famílias inteiras de mão dada, bandeiras, cachecóis. Só faltam as bifanas, os couratos e as entremeadas das roulottes. De resto…
É dia de jogo? Nããããão, é 1 de Julho, data em que o Sporting assinala o aniversário. Ah, então é para cantar os parabéns? Éééééé, pode ser. Um “Parabéns a você” bem especial, com um convidado especial, especialíssimo. É ele o novo treinador. Jorge Jesus, de seu nome.
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© Jose Fernandes
A apresentação está marcada para as 18h00, em pleno relvado de Alvalade. O museu ou a Loja Verde é pequeno de mais para concentrar tanta massa humana. E ruidosa. E verde. Há crianças com adereços totalmente verdes, há mulheres com as unhas dos pés verdes, há homens com cabeleiras verdes. É o dia do Sporting, ponto. Final. Parágrafo.
FESTA
Os portões abrem-se às 17h30. Os adeptos entram pelas portas 1 e 3, os jornalistas pela 4. Descem-se umas escadas, entra-se no estádio propriamente dito, passa-se uma cancela amarela e eis-nos a pisar terreno sagrado. Quer dizer, quem nunca sonhou ser futebolista por um minuto? Ou, vá, pisar a relva e sentir a emoção de olhar para as bancadas? Okay, elas estão assim–assim de gente e as balizas até estão deitadas, mas, caramba, é um campo de futebol.
E os bancos de suplentes ali à mão de semear, xiiii. Sentamo-nos e instalamo-nos naquele banco destinado ao quarto árbitro, ali bem colado às escadas de acesso ao balneário. Ou ao relvado.
Atrás de nós, uma multidão entoa cânticos pró-Sporting (e um anti-Benfica) à espera de Jesus. O speaker puxa por eles de tempos a tempos enquanto deita um olho pelas tais escadas de acesso ao balneário, onde estão umas 40 crianças equipadas a rigor e a segurar bandeiras do Sporting.
Também elas se impacientam, a olhar constantemente para trás. Mas quando é que vem Jesus? A pergunta prolonga-se por uns quantos minutos. Os adeptos fazem a festa, ora sozinhos ora puxados pelo speaker, até que ele vem aí. Não, não é Jesus.
Apresentamos-lhe o Jubas. A mascote sobe ao relvado, faz uns malabarismos, brinca com o speaker e afasta-se. Agora é que é. Não, também. Quem sobe as escadas é Jaime Carlos Marta Soares, presidente da mesa da assembleia geral e o rosto mais visível do último domingo, aquando da revisão da matéria dada sobre a auditoria que expulsa o ex-presidente Godinho Lopes do clube e suspende Luís Duque, actual presidente da Liga, durante um ano.
No meio-campo, o speaker põe a mão no ouvido, sorri levemente e cá vai disto. “É agora.” A multidão sobe os decibéis, os jornalistas acotovelam-se, os tais miúdos vestidos a rigor entram em fila indiana e vem aí Bruno de Carvalho. Devidamente apresentado, o presidente entra em campo e saúda todos os sportinguistas. Só falta um elemento. A figura. O provocador deste alarido todo. Jesus anda lá em baixo, de um lado para o outro.
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© Jose Fernandes
Quando Diogo dos Santos André, do departamento de comunicação, o chama, Jesus pergunta se vai pela direita ou pela esquerda. É pela esquerda, Jorge. E ele segue o guião à risca. Nas calmas, sem pressa. Mal pisa o relvado o estádio começa a entoar o seu nome.
MEMÓRIAS
A última vez de Jesus em Alvalade como sportinguista já é uma recordação antiga, antiquíssima. A maior parte dos presentes nem eram nascidos. Estamos a 8 de Fevereiro de 1976 e é tarde de bola entre Sporting e V. Guimarães, para a 20.a jornada do campeonato. Em vantagem por 1-0 desde o autogolo de Ramalho, aos 29’, o treinador Juca lança Jesus no lugar de Tomé aos 79’. Faltam 11 para o fim e o Vitória chega ao empate (88’), por Almiro. O Sporting mantém o terceiro lugar e está agora a cinco pontos do líder, Benfica, à frente do Boavista em golos.
A última vez de Jesus em Alvalade como sportinguista já é uma recordação antiga, antiquíssima. A maior parte dos presentes nem eram nascidos. Estamos a 8 de Fevereiro de 1976 e é tarde de bola entre Sporting e V. Guimarães, para a 20.a jornada do campeonato. Em vantagem por 1-0 desde o autogolo de Ramalho, aos 29’, o treinador Juca lança Jesus no lugar de Tomé aos 79’. Faltam 11 para o fim e o Vitória chega ao empate (88’), por Almiro. O Sporting mantém o terceiro lugar e está agora a cinco pontos do líder, Benfica, à frente do Boavista em golos.
Quase 40 anos depois, Jesus reentra em Alvalade à Sporting. Junta-se ao speaker e a Bruno de Carvalho no meio-campo. Todo sorridente. De gravata verde. Com os olhos postos no treinador, ninguém se lembra do quarteto de adjuntos formado por Raul José, Miguel Quaresma, Mário Monteiro e Márcio Sampaio mas estes entram em campo pelas mesmas escadas. Nessa altura já o senhor do microfone avisa Jesus de uma surpresa.
É um vídeo nos ecrãs gigantes sobre o sportinguismo de uma família chamada Jesus. Curioso. Primeiro Virgolino. Depois Jorge. De pai para filho, ambos jogadores do Sporting. Um pré-Cinco Violinos, outro pós. À medida que o filme avança, Jesus desvia o olhar uma e duas vezes enquanto suspira com a boca cheia de vazio. As lágrimas querem sair. Ai querem querem.
No comando da palavra, com o microfone na mão, Jesus admite sem rodeios. “Não foi fácil ver estas imagens.” De repente avança uns metros pelo campo e fala à Sporting. “Obrigado por não terem ficado em casa.” O público ovaciona-o ruidosamente, o treinador reage com um sorriso rasgado. “Está na hora de caminharmos todos juntos, está na hora de a família sportinguista perceber que o mais importante é o Sporting.” Mais palmas ainda.
O homem continua a caminhar, agora para os lados. Está feito um entertainer. “E está na hora de nos assumirmos que queremos ser candidatos a todos os títulos que o Sporting disputa em Portugal. A partir de hoje não há dois candidatos em Portugal: há três candidatos em Portugal.” Sporting Clube de Portugal, diz-nos uma voz. Calma, está a falar de Benfica e Porto. Um é o actual bicampeão (por obra e graça de Jesus), o outro acumula nove desses títulos nacionais no século xxi.
Cada frase de Jesus vale quilos e quilos de auto-estima para quem não ganha o campeonato há 13 anos, desde 2002. Os adeptos cantam, fazem trinta por uma linha. “Para terminar”, diz Jesus. E não acaba. Não o deixam. Há cânticos e petardos. Okay, mais petardos que cânticos. Jesus esboça um sorriso. Outro. E avança para o fim. “Para terminar, temos de acordar o leão adormecido. Viva o Sporting Clube de Portugal.” Vivaaaaa, grita o estádio todo.
Entra em acção um saxofonista. Às tantas, toca o “Só Eu Sei” e é ver presidente mais treinador unidos no salto de alegria, juntamente com Jubas e os tais 40 miúdos. É uma festa sem parar. Que dura até às tantas, com a gala do 109.o aniversário. Por essa hora há bué da gente vestida à Sporting e o metro já está fechado.