Crise e responsabilidade


Quando o ministro das Finanças se demitiu, houve consequência. Ou consequências. O primeiro-ministro não conseguiu segurar o barco, a troika entrou pelo país.


Não sei como se escreve crise em grego. Até podia ir ao “tio Google” mas… não era a mesma coisa. Aqui em Portugal, há cerca de quatro anos, houve uma crise. O ministro das Finanças demitiu-se. Sim, quem se demitiu foi o ministro das Finanças. E depois? Não se esperava já? O ministro das Finanças já sabia, há muito, que o défice tinha a dimensão que tinha. O ministro das Finanças sabia, desde sempre, que os impostos tinham de sofrer um “ligeiro” aumento. Já o tinha dito. 

Na Grécia, creio, há uma crise. O ministro das Finanças não se demitiu. E a crise é bem mais grave, para os gregos, para a Grécia, para os europeus e para a Europa do que aquela que por cá grassou. 

Por cá, diziam uns, Teixeira dos Santos cumpriu o seu dever porque não concordava com Sócrates e andava, há tempo demais, a adiar a saída, por lealdade. Outros, porém, diziam que o ministro das Finanças abandonou o barco e, ao fazê-lo, traiu o homem que o fez importante para a vida futura. Não que Teixeira dos Santos não tivesse currículo. Mas que melhorou o dito, lá isso… 

O comportamento do ministro das Finanças foi analisado pela mesquinhez dos portugueses, amplificada pelos media em geral. O ministro das Finanças foi, não poucas vezes, objecto de “chacota” política por parte de colegas do executivo, que se manifestavam contra as políticas de contenção que defendia e para as quais, pensa-se, teria o apoio incondicional do primeiro-ministro. Isso, aliás, foi notório aquando da sua demissão.

Mas quando o ministro das Finanças se demitiu houve consequência. Ou consequências. O primeiro-ministro não conseguiu segurar o barco, a troika entrou pelo país, após a assinatura de um memorando que tinha as suas regras, eleições tiveram lugar, um novo governo chegou, cumpriu-se o que a troika exigiu, a dita troika partiu, o país vai-se levantando, devagarinho, enfim, pagámos o nosso preço. As condições de vida dos portugueses pioraram? Sim. Os impostos aumentaram? Claro. As reformas/pensões diminuíram? Pois com certeza. Os lucros das empresas foram por aí abaixo e o financiamento bancário, que sempre sustentou a nossa economia, quase desapareceu? Pois com certeza.

Andámos e andamos aos papéis para chegar ao final do mês, pessoas e empresas? Claro que sim e andaremos ainda mais uns tempos. Nada vai ser como dantes? Claro que não. É pena? Claro que é! Vivemos a crise a sério e vivemos a crise agora, sentindo-a menos porque já estamos habituados a viver com menos, qual burro do inglês? Claro que sim.

E na Grécia, não houve crise? Porque não hão-de os gregos (nada contra as pessoas em si mesmas, mas também não tenho nada contra os portugueses que sofreram estes anos o que sofreram) ser sujeitos a medidas drásticas como nós fomos? Apenas porque um bando de aventureiros resolveu inventar demagogias eleitorais e enganar os votantes, recolhendo a maioria absoluta que lhe legitimou o governo? 

E por acaso, por mero acaso, os legítimos representantes portugueses do Syriza, os amigos de Varoufakis ou de Tsipras, não têm suficiente honestidade intelectual para dizer que o Syriza mentiu aos gregos? Não é igual o Syriza dizer na Grécia que vai aumentar o salário mínimo no dia anterior ao das eleições e afirmar o contrário no dia seguinte às mesmas, e aquilo que alguma esquerda portuguesa diz do actual governo quando faz promessas que deixa por cumprir?

Na Grécia, ainda não vi nenhum ministrozinho, mais ou menos dândi, demitir-se por enganar os gregos e destruir o país. Limitam-se a tirar a gravata. Mas os gregos não são portugueses. São menos tolerantes. E em breve haverá eleições para os lados de Atenas. E creio que, ao contrário do que dizia Chico Buarque de Holanda, o povo e a raça da capital grega far--se-ão ouvir nas urnas.

Empresário
Escreve à terça-feira 

Crise e responsabilidade


Quando o ministro das Finanças se demitiu, houve consequência. Ou consequências. O primeiro-ministro não conseguiu segurar o barco, a troika entrou pelo país.


Não sei como se escreve crise em grego. Até podia ir ao “tio Google” mas… não era a mesma coisa. Aqui em Portugal, há cerca de quatro anos, houve uma crise. O ministro das Finanças demitiu-se. Sim, quem se demitiu foi o ministro das Finanças. E depois? Não se esperava já? O ministro das Finanças já sabia, há muito, que o défice tinha a dimensão que tinha. O ministro das Finanças sabia, desde sempre, que os impostos tinham de sofrer um “ligeiro” aumento. Já o tinha dito. 

Na Grécia, creio, há uma crise. O ministro das Finanças não se demitiu. E a crise é bem mais grave, para os gregos, para a Grécia, para os europeus e para a Europa do que aquela que por cá grassou. 

Por cá, diziam uns, Teixeira dos Santos cumpriu o seu dever porque não concordava com Sócrates e andava, há tempo demais, a adiar a saída, por lealdade. Outros, porém, diziam que o ministro das Finanças abandonou o barco e, ao fazê-lo, traiu o homem que o fez importante para a vida futura. Não que Teixeira dos Santos não tivesse currículo. Mas que melhorou o dito, lá isso… 

O comportamento do ministro das Finanças foi analisado pela mesquinhez dos portugueses, amplificada pelos media em geral. O ministro das Finanças foi, não poucas vezes, objecto de “chacota” política por parte de colegas do executivo, que se manifestavam contra as políticas de contenção que defendia e para as quais, pensa-se, teria o apoio incondicional do primeiro-ministro. Isso, aliás, foi notório aquando da sua demissão.

Mas quando o ministro das Finanças se demitiu houve consequência. Ou consequências. O primeiro-ministro não conseguiu segurar o barco, a troika entrou pelo país, após a assinatura de um memorando que tinha as suas regras, eleições tiveram lugar, um novo governo chegou, cumpriu-se o que a troika exigiu, a dita troika partiu, o país vai-se levantando, devagarinho, enfim, pagámos o nosso preço. As condições de vida dos portugueses pioraram? Sim. Os impostos aumentaram? Claro. As reformas/pensões diminuíram? Pois com certeza. Os lucros das empresas foram por aí abaixo e o financiamento bancário, que sempre sustentou a nossa economia, quase desapareceu? Pois com certeza.

Andámos e andamos aos papéis para chegar ao final do mês, pessoas e empresas? Claro que sim e andaremos ainda mais uns tempos. Nada vai ser como dantes? Claro que não. É pena? Claro que é! Vivemos a crise a sério e vivemos a crise agora, sentindo-a menos porque já estamos habituados a viver com menos, qual burro do inglês? Claro que sim.

E na Grécia, não houve crise? Porque não hão-de os gregos (nada contra as pessoas em si mesmas, mas também não tenho nada contra os portugueses que sofreram estes anos o que sofreram) ser sujeitos a medidas drásticas como nós fomos? Apenas porque um bando de aventureiros resolveu inventar demagogias eleitorais e enganar os votantes, recolhendo a maioria absoluta que lhe legitimou o governo? 

E por acaso, por mero acaso, os legítimos representantes portugueses do Syriza, os amigos de Varoufakis ou de Tsipras, não têm suficiente honestidade intelectual para dizer que o Syriza mentiu aos gregos? Não é igual o Syriza dizer na Grécia que vai aumentar o salário mínimo no dia anterior ao das eleições e afirmar o contrário no dia seguinte às mesmas, e aquilo que alguma esquerda portuguesa diz do actual governo quando faz promessas que deixa por cumprir?

Na Grécia, ainda não vi nenhum ministrozinho, mais ou menos dândi, demitir-se por enganar os gregos e destruir o país. Limitam-se a tirar a gravata. Mas os gregos não são portugueses. São menos tolerantes. E em breve haverá eleições para os lados de Atenas. E creio que, ao contrário do que dizia Chico Buarque de Holanda, o povo e a raça da capital grega far--se-ão ouvir nas urnas.

Empresário
Escreve à terça-feira