A Europa foi feita pelo Mediterrâneo, vem de baixo para cima”
Cláudio Torres
É nos momentos difíceis que devemos reafirmar verdades que incomodam. Mesmo que para isso possamos ser mal compreendidos, chocando o politicamente correcto. Vem tudo isto a propósito da obsessiva cegueira da União Europeia em relação à imigração dentro e fora do seu espaço territorial formal.
E, neste particular, os últimos dias foram pródigos em casos e em exemplos de desnorte formal não interiorizado e percebido, por vários dos “líderes” quer das instituições europeias, quer sobretudo dos governos dos seus Estados-membros. Cegos. Surdos. Mudos. Negando a realidade. Fugindo dos valores do projecto europeu. Hipotecando o seu futuro não só político mas também económico e social. Cultivando uma amnésia perigosa em relação às suas responsabilidades recentes na desestruturação de vários dos países emissores e de passagem de milhares e milhares de imigrantes.
Até Jean-Claude Juncker já não esconde a sua desilusão com este comportamento por parte da Europa e dos seus Estados no que diz respeito ao fenómeno migratório. Quando assistimos a reuniões intermináveis em que tardam soluções conformes com a realidade e na defesa dos interesses da Europa, dos seus povos e dos seus Estados, o que devemos pensar e fazer? O que fazer perante o anúncio por parte do governo de um Estado europeu (Hungria) de que irá construir um muro para fechar uma das principais fronteiras externas da Europa (da Europa da liberdade de circulação, sim)?
O que pensar da contenda fronteiriça francesa e italiana na circulação interna de pessoas que, ao abrigo do direito comunitário vigente, têm não só deveres, mas também direitos? O que pensar da nossa Europa, que se esgatanha internamente para decidir quotas (ou outras coisas que ainda não sabe bem o que serão) para fazer face à catástrofe humana que se vive há demasiado tempo, na bacia do Mediterrâneo ocidental e oriental.
Tudo isto acontece quando países, que nada têm a ver com a desestabilização interna de vários países do Médio Oriente (como são os casos da Jordânia e da Turquia), recebem milhões e milhões de imigrantes e refugiados nos seus territórios, dando assim lições de humanismo à velha Europa, cada vez mais uma anã política e um gigante económico com pés de barro, a desfazer-se. Velha Europa e velho Ocidente, do qual fazemos parte, que continua a fazer de conta que é rico, poderoso, muito devido também ao chapéu tecnológico e militar dos Estados Unidos da América.
Em pleno século XXI, as migrações internacionais deviam fazer líderes formais e governantes (das instituições europeias e dos Estados) assumirem o papel de verdadeiros estadistas, que vêem e decidem muito mais do que para além dos interesses de cada um dos seus países e, antes pelo contrário, mais pela defesa do projecto de todos.
Assumindo que, no século do movimento dos povos, as migrações são e serão cada vez mais decisivas para a democracia, o de-senvolvimento, a segurança e a demografia. Neste quadro exige-se que, pelo menos, assumam que a imigração é uma solução incontornável para a queda e o declínio demográfico, sobretudo para o ocidente europeu, que qualquer dia se transformará num museu ao ar livre para outros povos de outros continentes visitarem.
Com a obsessão por estudos, com tantos grupos de trabalho, consultores, auditores e afins, que adoptem de vez uma postura proactiva na construção de uma verdadeira política de imigração europeia, fiel à sua história humanista e na sua tradição cristã. Pelo menos por isso, acabem com este impasse e paralisia na velha “Europa fortaleza”. Que teima em viver fora da realidade, negando-a e fugindo dos sinais dos tempos, que recusam mais a unipolaridade europeia. E que, nesta como noutras matérias decisivas para os povos europeus, tenha um assomo de ligação à realidade e não obedeça a um anquilosamento medíocre, hipotecando o futuro colectivo de todos nós. A Europa não é isto.
Escreve à segunda-feira