Amnésia meteorológica


Se estiver no elevador a chegar ao andar pretendido, despacha-se com o habitual suspiro, seguido de murmúrio (“calooorrr…”) e “pois é”


Quando andava no secundário, um amigo costumava dizer que eu tinha um barómetro espiritual, tal era o peso que dava às condições climatéricas na definição do meu estado de espírito. Eu, que até era uma jovem que se vestia de escuro e gostava de música da dor, não encontrava consolo nenhum na chuva, como seria de esperar. Como neurótica era uma vergonha. Precisava de sol. 

Hoje continuo a ansiar pelo Verão, mas com o tempo aprendi a sintonizar-me com as frentes frias e o anticiclone dos Açores e essas coisas. O meu pai ensinou-me a apreciar dias cinzentos ao som de Wagner e quando havia trovoadas em Agosto até abria a janela.

No fundo, fui sentindo menos necessidade de fugir à melancolia à medida que crescia. Aquela coisa do cheiro a terra molhada, primeiro só me cheirava a fim do Verão e regresso às aulas; depois lá começou a cheirar a poesia. Agora já só me cheira a cliché. É um bocado como os U2, o cheiro a terra molhada. Só era bom no início, até começar a aparecer nos livros da Chiado Editora.

Sou nostálgica em relação a todas as estações do ano e, tal como todo o ser humano dotado de capacidade para fazer conversa de circunstância, estou quase sempre insatisfeita com o tempo. Nunca mais é Verão. Mas que calor insuportável. Quando é que chega o Inverno. Está um frio que não se pode. A minha casa é demasiado quente no Verão. Demasiado fria no Inverno. Demasiado indiferente nas restantes estações.

E de onde vem esta amnésia meteorológica que me faz proferir frases como “já não há estações” ou “não se percebe nada deste tempo”? Acho que ainda antes de se falar do aquecimento global já ninguém percebia nada do tempo – porque umas vezes chove e outras faz sol e a transição não costuma ser assim tão suave que nos adaptemos e resignemos de cara alegre.

A verdade é que nós precisamos desta amnésia, precisamos de “o ano passado, por esta altura, não estava assim”, porque o tempo é o único assunto fácil de gerir em relações casuais de curta duração, como com um taxista ou um vizinho no elevador. Primeiro, é um assunto que obviamente não fere susceptibilidades; depois, pode durar o tempo que quisermos consoante a duração do constrangimento.

Se estiver num táxi no trânsito posso começar por dizer “parece que vai arrefecer, ainda ontem estava um calor de morte, uma pessoa já não sabe o que vestir” e esticar isto até à história daquela noite em que assisti a uma tempestade de Verão em Viena “e nada fazia crer, até aquelas canecas de cerveja pesadonas tombavam das mesas tal era a ventania”. Se estiver no elevador a chegar ao andar pretendido, despacha-se com o habitual suspiro, seguido de murmúrio (“calooorrr…”) e “pois é”.

É também um cliché, esta conversa do tempo. Mas eu quero lá ficar a segurar na porta para acabar de dizer o que acho sobre a situação da Grécia. 

Guionista, apresentadora e porteira do futuro
Escreve à sexta e ao sábado