São perturbadores os nossos dias. Há sondagens que tiram o sono, sinais de resignação e de euforia, um preocupante alheamento dos cidadãos e quem tenha entrado numa espiral de negação do que disse e fez em quatro anos de sacrifícios, cortes cegos e incertezas. E ainda há a Grécia, que a direita, em Bruxelas e Lisboa, quer que corra mal para sublinhar que não há alternativa ao caminho percorrido. Um irresponsável egoísmo partidário e eleitoral. Só a morte não tem alternativa.
O desplante de PSD e CDS evidencia que, na leva das privatizações, Passos Coelho só pode ter privatizado a vergonha na cara. Só essa alienação pode justificar que tenha negado ter apelado à emigração, tenha dito não ter havido cortes no rendimento social de inserção, tenha afirmado que não cortou no subsídio de desemprego e que não houve aumento do IVA. Privatizada a falta de vergonha na cara, todo o governo alinha pela bitola das meias verdades e das mentiras. O ministro Mota Soares diz que “há menos desempregados em Portugal do que quando tivemos de assinar o pedido de resgate”.
Pode haver menos portugueses desempregados a receber subsídio, eram 289 252 em Maio de 2011 e são 281 059 em Maio de 2015, mas tem de acrescentar os milhares que emigraram, os milhares que estão em estágios, em formações e no programa garantia jovem e ainda os 618 266 portugueses desempregados sem qualquer tipo de apoio social. As pessoas não são números, mas os números reflectem os dramas das pessoas e das famílias que resultam das opções políticas de Passos e Portas.
E os números são estes: a taxa de risco de pobreza aumentou de 19,6% para 25,9%; a taxa de risco de pobreza infantil subiu de 23,9% para 31,1%; o desemprego real cresceu 23%; há menos 68 902 portugueses com mais de 66 anos a receber o complemento solidário para idosos; há menos 28 760 famílias a receber o rendimento social de inserção, e em termos individuais são menos 183 642 pessoas e há menos 57 953 crianças e jovens a receber o abono de família. Acrescem ainda o brutal aumento da carga fiscal e os cortes nos rendimentos e nas prestações sociais, portanto são menos os beneficiários e recebem menos.
Sem vergonha na cara e lançados na empresa de tentar reescrever a história, recuperam Miguel Relvas por via de um livro para, entre ajustes de contas, relançar a ideia de que nas autarquias locais tudo podia ter sido muito pior: câmaras obrigadas a declarar falência, portagens à entrada das cidades e outras criatividades. A realidade é que o poder local reduziu a dívida e o governo de Passos e Portas aumentou a dívida pública. E depois há a arrogância do governo na extinção das freguesias, na lei dos compromissos, na privatização da EGF, no Fundo de Apoio Municipal, nos fundos comunitários e na fusão dos sistemas de abastecimento de água e saneamento. Nesta última, a sede das Águas de Lisboa e Vale do Tejo ficará na Guarda!
Apesar do prolongamento conferido pelo Presidente, Passos, Portas e associados já só têm cabeça para os negócios que falta fazer e para as eleições. Até têm uma espécie de Programa Bronca Zero para tentar evitar problemas na abertura do ano escolar. No entanto, o próximo ano lectivo pode começar mais tarde (15-21 de Setembro).
A empresa Infraestruturas de Portugal, que resulta da fusão da Refer com as Estradas de Portugal para poupar dinheiro, não encontra melhor estreia que organizar uma festa de apresentação com custos globais de 300 mil euros. Os buracos nas estradas nacionais podem esperar.
Depois de quatro anos de anestesia, o Metropolitano de Lisboa, antes de ser entregue a privados, adjudicou as obras para concluir o troço de ligação e a estação da Reboleira, onde já tinham sido investidos milhões. Foram quatro anos de indiferença com as pessoas da Área Urbana de Lisboa, agora desbloqueada a toque dos negócios e das eleições.
No Estado, vendidos os anéis ficam os dedos. No caso de Passos e de Portas, vendida a vergonha na cara nem a cara fica. Escondem-se atrás da coligação “Portugal à frente”. À frente de quê?
Membro da comissão política nacional do PS. Escreve à quinta-feira