E se os manifestantes gregos pró e antiausteridade começarem a ser vistos uns pelos outros como “colaboracionistas” e “oposicionistas”? Este é hoje um dos maiores receios na Grécia. Entre as manifestações a favor da permanência nesta Europa e as contra, entre a crescente divisão do eleitorado que deu a vitória ao Syriza e entre os deputados que aguentam a coligação de governo que o mesmo partido lidera, são muitas as rachas acumuladas na já frágil redoma que vai aguentando as tensões sociais no país. Ontem, ao princípio de acordo a nível institucional sucederam-se novos sinais de divisão a nível nacional.
A proposta de última hora apresentada pelo governo grego aos parceiros europeus caiu mal na opinião pública, com a grande maioria dos jornais a alertar ontem para a previsão de captura de mais oito mil milhões de euros em 18 meses aos contribuintes e pensionistas do país através dos “novos e dolorosos cortes” propostos por Alexis Tsipras [ver tabela e texto] para desbloquear o impasse. A insatisfação tomou o país:ontem sucederam-se manifestações de pensionistas e sindicatos e multiplicaram-se as críticas às medidas propostas.
A nível interno, os ataques vieram de sindicatos, pensionistas, patrões e membros do governo, com todos a criticar um plano cuja magnitude (3%do PIB em 18 meses) é idênticaà da austeridade teórica que foi imposta em 2010, aquando do primeiro resgate grego – que, na prática, acabou por ser mais.
“Completamente traídos e desiludidos por este governo continuar com a política de cortes como todos os outros fizeram. São inúmeros impostos directos e indirectos dirigidos mais uma vez ao cidadão comum”, sintetizou Manolis Rallakis, líder da Federação dos Pensionistas Gregos, a mais rápida a reagir contra a proposta de Tsipras. Ontem, às 18h locais, já 70 autocarros com pensionistas tinham convergido para Atenas. A manifestação seguiu-se. “Já derramámos sangue suficiente. Chegou a hora de resistir”, clamava, por seu turno, o Pame, sindicato grego associado ao Partido Comunista, que logo seguiu com a sua própria manifestação.
Aincompreensão e a incredulidade – seja porque o governo propôs austeridade, seja pela austeridade proposta – marcaram também os discursos dos patrões. A associação que representa o sector da restauração desesperou com o anúncio do regresso do IVA a 23%:em 2011, a medida teve em vigor e levou ao desaparecimento de 4500 estabelecimentos e 40 mil empregos, tendo por isso sido cancelada. Agora está de volta. Seguiram-se as associações comerciais:“As medidas propostas colocam todo o peso na economia privada, isto vai resultar em mais recessão e desemprego”, alertou Simos Anastasopoulos, da câmara de comércio helénico-americana.
“Mais recessão e mais desemprego.”Foi também a avaliação de Shaun Richards, economista ouvido pelo “Guardian” sobre a nova austeridade que recairá sobre a Grécia:“Ociclo tem sido os gregos implementam austeridade, que leva a fragilidade económica e ao quase colapso, e então impor mais austeridade e depois repetir tudo”, criticou. “Oque foi feito à Grécia já foi mau o suficiente, mas aprender tão pouco com o que foi feito encaixa perfeitamente na definição de loucura de Albert Einstein.” Muitos na coligação que apoia oSyriza concordam com as críticas de Richards e foram lestos a avisar Tsipras.
Os GregosIndependentes, da direita mais extremista, ameaçaram de imediato mandar o governo abaixo, assegurando que uma das medidas propostas jamais avançará:“Não aceitaremos qualquer aumento do IVAnas ilhas gregas, nem que isso leve à queda do governo”, ameaçou Panos Kamennos, líder dos GregosIndependentes e ministro da Defesa – o único visado pela austeridade agora proposta, com um corte de 200 milhões.
As críticas chegaram também do outro lado ideológico do executivo, leia-se a Plataforma daEsquerda, força apontada como a “última linha de defesa” do Syriza na coligação:dificilmente aceitarão os aumentos das contribuições que a proposta impõe aos pensionistas. A isto juntam-se elementos do próprio Syriza:“Acho que o programa, como o vejo, dificilmente passará por nós”, rematou Alexis Mitropoulos, porta-voz do Syriza no parlamento, à “Reuters”.
E se na Grécia o acordo é visto como excessivo, na Europa é visto como insuficiente. “Vamos ver se as propostas gregas são suficientes. Se não forem, continuaremos a falar”, defendeu o vice-chanceler alemão, Sigmar Gabriel, que recusou qualquer conversa sobre renegociação da dívida grega. De França, uma postura mais conciliatória:“Estamos a caminho de um acordo com a Grécia”, disse Michel Sapin, ministro dasFinanças francês. Hoje, dia de reunião tardia do Eurogrupo, o acordo deverá obter luz verde deste organismo, avançando para o Conselho Europeu e daí para os parlamentos nacionais, incluindo o grego, onde a proposta deve ser votada este fim-de-semana.