“A ver as modas passar.” Benvinda Calhau, 80 anos, vai fazendo tempo até à hora de iniciar mais um tratamento. São três da tarde e as temperaturas altas convidam à sombra. “Pode não parecer, mas estamos aqui para nos tratar, não para passar férias.” A seu lado, uma amiga que preferiu não se identificar vai contando histórias atrás de histórias, sempre com um sorriso contagiante. “Sou da TVI, sabe? Trabalho no programa da Fátima Lopes como figurante. A minha função é passar as tardes a bater palmas”, revela entre gargalhadas. “Tenho de ter muito cuidado com as minhas mãos, mas não é por isso que para aqui venho, é por causa de uma rinite alérgica. Sabe o que é inalar três litros de água por dia? Não cura, mas melhora.”
Benvinda concorda. Desde 1982 que faz questão de vir duas semanas por ano a São Pedro. Sozinha, porque o marido “prefere o vinho à água”. Em Agosto o ritual repete-se ano após ano: Benvinda prepara a mala de viagem e arranca para o Algarve em busca das suas férias de sonho. “Já chega ter de cozinhar o ano inteiro. Nas férias nem pensar. Vamos sempre com tudo incluído no hotel, para não ter de fazer nada. Aquilo é um luxo.”
Dali a pouco ambas seguirão para o Balneário D. Afonso Henriques, nome herdado do rei que ali curou a fractura de uma perna após a batalha de Badajoz em 1169. Com uma história de mais de 2 mil anos, as termas de São Pedro do Sul estão entre as mais procuradas da Península Ibérica. Combinam saúde, bem-estar e lazer, aliado às características únicas das suas águas, reconhecidas pelos seus efeitos mineromedicinais. Mas não só. Manuela Vicente viu a morte à frente, há nove anos, num violento acidente de comboio. Recorda-se de estar a ler uma revista quando de repente um camião se atravessou na linha, culpa de uma passagem de nível avariada em Sacavém. “O som da travagem e do descarrilamento não me sai da cabeça. De um momento para o outro todas as pessoas foram projectadas para cima e para baixo até a carruagem se imobilizar. Lembro-me que fiquei sem óculos e sem sapatos.” Além das sequelas psicológicas, Manuela teve um traumatismo craniano e várias lesões nos braços, nas costas e nas pernas. É por isso que não prescinde da fisioterapia nas águas termais. “Dentro da piscina os tratamentos doem muito menos. Não quero outra coisa. Aqui esqueço-me de tudo, até das dores.”
As águas de São Pedro do Sul são mágicas. Milagreiras. Há até quem as apelide de “fonte da juventude”.
Aconselhadas por médicos conceituados em detrimento do consumo de medicamentos, “as termas dão mais anos de vida”, como podemos ler à entrada do Balneário Rainha Dona Amélia. Longe vão os tempos da tradição do banho santo, tomado ao domingo, um banho que valia por sete. É que só uma semana mais tarde o corpo voltaria a entrar em contacto com água. “Chegavam autocarros dos quatro cantos do país à vila, uma multidão de pessoas carregadas de garrafões em busca da bênção divina”, explica-nos a recepcionista. “Hoje em dia quem nos visita são pessoas que buscam não a cura para as suas doenças, mas bem-estar com um tratamento personalizado.” Manuel Campos, natural de Carvalhais, concelho de Viseu, decidiu voltar a São Pedro depois da primeira experiência, no ano passado. “Quando me casei, prometi ao padre que cuidaria da minha mulher na saúde e na doença. Assim fiz durante quase 60 anos de casamento. Nos últimos cinco levei a promessa ao limite. Eram 24 em 24 horas a tratar dela por causa da diabetes que a atirou para uma cadeira de rodas.” Reformado, Manuel não tinha descanso. “Ora tinha de lhe dar banho, ora de dar injecções de insulina, ora carregá-la para todo o lado. Sei, tenho a certeza, que ela teria feito o mesmo por mim.” Quando a mulher morreu, decidiu tomar conta de si “na recta final da vida.” Nas termas encontrou paz e tempo para si. Veio para fazer um programa de duas semanas, o mínimo aconselhado, mas tivesse outras condições financeiras e não abdicaria todos os dias de uma massagem Vichy.
Uma hora depois é tempo de mais um tratamento para Benvinda e a amiga de nome secreto. Entre histórias e mais histórias dos bastidores das tardes da TVI, ficamos a saber que “o Goucha e a Cristina são uns queridos”, que “a Fatinha nos intervalos às vezes descalça os sapatos de salto alto”, que os figurantes se riem e se divertem, mas que por vezes também choram baba e ranho “com aquelas histórias dramáticas”, que há quem faça daquilo profissão há mais de dez anos e que o pior de tudo é passar a tarde a bater palmas. “Gosto muito daquilo, mas à noite nem sinto as mãos.” Benvinda contrapõe: “Veja lá, que a saúde está em primeiro lugar!” Nem mais.