Cavaco e os miserabilistas


A democracia é feita de conflito. Há uma diferença substancial entre o conflito genuíno, que a fortalece suportado em argumentos fortes, e o conflito fabricado, teatral, que enfraquece o regime.


© Paulo Novais/Lusa

Há discursos que vale a pena seguir. Pelo que dizem e sobretudo pelas reações que provocam. A intervenção do Presidente da República no 10 de junho foi, neste particular, bastante clarificadora.

Cavaco Silva, no seu último Dia de Portugal, teve uma intervenção com sentido de rigor e de esperança, fazendo um justo equilíbrio entre o que foi o passado e o que pode ser o futuro do país. “Independentemente de quem governe”, salientou o PR, “Portugal tem hoje motivos de esperança no futuro.”

Talvez porque saiba demasiado bem o que a casa gasta, o PR tratou de ancorar essa “esperança no futuro” do domínio da opinião comum em mensagens factuais como o “ultrapassamos a situação de quase bancarrota” de 2011, ou a “recuperação gradual da economia e do emprego.”

Zangada com as palavras do Presidente, a oposição saltou em peso a condenar o suposto alinhamento político de Belém com São Bento. Confesso que não compreendo esta irredutibilidade sectária de todos os partidos à esquerda. A democracia é feita de conflito. Mas há uma diferença substancial entre um conflito genuíno, que fortalece a democracia porque é apoiado em argumentos fortes, e o conflito fabricado, diria até teatral, que enfraquece o regime e que é sustentado no pessimismo populista com que a esquerda nos tem brindado.

Como que dando razão instantânea ao PR, vestindo a sua melhor indumentária da indignação, os partidos à esquerda formaram imediatamente o coro de miserabilistas – Cavaco Silva tinha avisado que eles andavam por aí – e mostraram porque que é que o país não pode contar com eles. E não pode pura e simplesmente, porque têm uma incapacidade crónica de ler o país em que vivem. Não separam a ficção da realidade. 

Cavaco Silva disse que a economia está a crescer; que o desemprego desce; e que o défice está controlado. Factos: reafirmado hoje em Sófia pelo Presidente, o PIB avança 1.7% este ano e 2% nos seguintes; o défice ficará nos 2,7%; e, quanto ao emprego, Portugal está entre os seis países da União que mais postos de trabalho criou no primeiro trimestre do ano.

Mas será que a oposição ainda não acredita que isto não está mesmo a acontecer?  Será que o PS não vê a curva do crescimento a subir e a linha do desemprego a baixar? Será que o PS não percebe que é uma incoerência condenar o discurso positivo do PR e, em simultâneo, defender um cenário macroeconómico que até parte de números económicos mais favoráveis?

Será que isto faz do PS um partido “alinhado” com o Governo e de António Costa um “eco” de Pedro Passos Coelho? Será que o PS não quer compreender a realidade ou pura e simplesmente não quer fazer parte dela?

Em ambos os casos os portugueses têm razões para se preocupar. Porque o preço do irrealismo político de poucos é pago com juros por todos.     

Como já aqui escrevi, há dois blocos que se apresentam a eleições. De um lado está a coligação de governo, que é a expressão de uma vontade política positiva, que garante a e ocupa o espectro político do centro-esquerda (PSD) ao centro-direita (CDS). Do outro, a coligação do mínimo denominador comum, o do combate ao governo custe o que custar.

É a coligação negativa formada por PCP, Bloco de Esquerda e outros grupúsculos, capitaneada por um PS que se afastou do centro e que é cada vez mais um caleidoscópio de esquerdas estatizantes, revolucionárias, progressistas ou radicais. Mas talvez a linha de demarcação mais clara entre os dois blocos nem esteja, sequer, na sua ideologia ou nos seus programas.

Está montante disso. Está na forma como cada lado da barricada avalia a realidade. E o que é possível perceber é que de um lado está um Governo realista e, do outro, uma oposição fantasiosa. A escolha dos eleitores será feita entre o país real e as suas dificuldades; ou o país das maravilhas e os seus alçapões escondidos. 

Escreve à quarta-feira

Cavaco e os miserabilistas


A democracia é feita de conflito. Há uma diferença substancial entre o conflito genuíno, que a fortalece suportado em argumentos fortes, e o conflito fabricado, teatral, que enfraquece o regime.


© Paulo Novais/Lusa

Há discursos que vale a pena seguir. Pelo que dizem e sobretudo pelas reações que provocam. A intervenção do Presidente da República no 10 de junho foi, neste particular, bastante clarificadora.

Cavaco Silva, no seu último Dia de Portugal, teve uma intervenção com sentido de rigor e de esperança, fazendo um justo equilíbrio entre o que foi o passado e o que pode ser o futuro do país. “Independentemente de quem governe”, salientou o PR, “Portugal tem hoje motivos de esperança no futuro.”

Talvez porque saiba demasiado bem o que a casa gasta, o PR tratou de ancorar essa “esperança no futuro” do domínio da opinião comum em mensagens factuais como o “ultrapassamos a situação de quase bancarrota” de 2011, ou a “recuperação gradual da economia e do emprego.”

Zangada com as palavras do Presidente, a oposição saltou em peso a condenar o suposto alinhamento político de Belém com São Bento. Confesso que não compreendo esta irredutibilidade sectária de todos os partidos à esquerda. A democracia é feita de conflito. Mas há uma diferença substancial entre um conflito genuíno, que fortalece a democracia porque é apoiado em argumentos fortes, e o conflito fabricado, diria até teatral, que enfraquece o regime e que é sustentado no pessimismo populista com que a esquerda nos tem brindado.

Como que dando razão instantânea ao PR, vestindo a sua melhor indumentária da indignação, os partidos à esquerda formaram imediatamente o coro de miserabilistas – Cavaco Silva tinha avisado que eles andavam por aí – e mostraram porque que é que o país não pode contar com eles. E não pode pura e simplesmente, porque têm uma incapacidade crónica de ler o país em que vivem. Não separam a ficção da realidade. 

Cavaco Silva disse que a economia está a crescer; que o desemprego desce; e que o défice está controlado. Factos: reafirmado hoje em Sófia pelo Presidente, o PIB avança 1.7% este ano e 2% nos seguintes; o défice ficará nos 2,7%; e, quanto ao emprego, Portugal está entre os seis países da União que mais postos de trabalho criou no primeiro trimestre do ano.

Mas será que a oposição ainda não acredita que isto não está mesmo a acontecer?  Será que o PS não vê a curva do crescimento a subir e a linha do desemprego a baixar? Será que o PS não percebe que é uma incoerência condenar o discurso positivo do PR e, em simultâneo, defender um cenário macroeconómico que até parte de números económicos mais favoráveis?

Será que isto faz do PS um partido “alinhado” com o Governo e de António Costa um “eco” de Pedro Passos Coelho? Será que o PS não quer compreender a realidade ou pura e simplesmente não quer fazer parte dela?

Em ambos os casos os portugueses têm razões para se preocupar. Porque o preço do irrealismo político de poucos é pago com juros por todos.     

Como já aqui escrevi, há dois blocos que se apresentam a eleições. De um lado está a coligação de governo, que é a expressão de uma vontade política positiva, que garante a e ocupa o espectro político do centro-esquerda (PSD) ao centro-direita (CDS). Do outro, a coligação do mínimo denominador comum, o do combate ao governo custe o que custar.

É a coligação negativa formada por PCP, Bloco de Esquerda e outros grupúsculos, capitaneada por um PS que se afastou do centro e que é cada vez mais um caleidoscópio de esquerdas estatizantes, revolucionárias, progressistas ou radicais. Mas talvez a linha de demarcação mais clara entre os dois blocos nem esteja, sequer, na sua ideologia ou nos seus programas.

Está montante disso. Está na forma como cada lado da barricada avalia a realidade. E o que é possível perceber é que de um lado está um Governo realista e, do outro, uma oposição fantasiosa. A escolha dos eleitores será feita entre o país real e as suas dificuldades; ou o país das maravilhas e os seus alçapões escondidos. 

Escreve à quarta-feira