Ainda hoje parece inalcançável, o mais provável é que jamais estejamos confortáveis sempre que Ornette Coleman estiver a ocupar todo o espaço à nossa volta: porque era isso que este destemido fazia, pegava no ar, o tal que é de todos, e tomava-o como coisa sua.
O saxofone era o suporte para o conseguir e sabia onde começava, estava consciente de que teria de se desdobrar em múltiplos caminhos ao tocar o seu instrumento de eleição. Mas depois disso, acontecia o que tinha que acontecer. Ao que fazia chamaram de free jazz – free de livre, de não ter agenda nem compromissos, de estar sem rumo e gostar disso. Outros disseram que era avant garde. Morreu ontem aos 85 anos, em Manhattan. O que é certo que tudo o que Coleman fez vai ficar por definir. Tomou Nova Iorque como sua, foi lá que morreu, vítima de ataque cardíaco.
Não lhe faltava nada: técnica, inspiração, talento ou bom gosto. O que também tinha de sobra era coragem, a atitude que à maioria falha para fazer novo, para dizer que há mais, muito mais. Foi o que fez no jazz, nos anos 50. Conheceu o bebop, foi seu íntimo, mas (cá está a tal lata que tinha para dar e vender) em 59 lança “The Shape of Jazz to Come”. Assim, toma lá disto, a ruptura começa no título – vinha de trás e ali ganha corpo palpável – e acaba na influência que o homem lança sobre a música popular, da canção mais açucarada às electrónicas menos dançáveis.
Continuava a fazer uso do dom dos virtuosos, mas o ritmo e a harmonia transformavam-se em algo diferente. Heróis imortais como Charlie Parker ou John Coltrane já tinham esticado a corda, Ornette Coleman afirmava finalmente que essa mesma corda não fazia falta a ninguém. A estrutura não tinha dono, nem o tom nem nada que pudesse ser música. Não que não tivesse as suas regras. Dizia Coleman ao filósofo Jacques Derrida em 1997: “Quando fazia free jazz, a maioria das pessoas pensava que eu pegava no saxofone e tocava aquilo que me vinha à ideia, sem seguir nenhuma regra, mas isso não era bem verdade.” Mas as regras eram novas, eram as dele, leis harmelódicas com as quais Coleman mudou o mundo.
Cresceu com a mãe e a irmã, no Texas, foi vagabundo atrás da música ou de qualquer emprego (operador de elevador? seja), autodidacta e saco de pancada, tudo ao mesmo tempo. Acreditou nele próprio e na capacidade de entendimento com toda a gente. Nos anos 70 já tinha feito história mas continuava a inovar, tornava-se mais eléctrico, continuava a dizer que o essencial era ter a certeza que qualquer pessoa podia tocar com qualquer pessoa. Levar emoções para a música, parece simples, ela tornava-o simples.
Foi uma e outra vez redescoberto por quem se deixou iluminar pelos ensinamentos de um dos mais inovadores libertinos que já se viram ou ouviram. “O nome da nota não nos diz como usar o respectivo som”, afirmou ao “Guardian” em 2007. E se a nota o dissesse a Coleman, ele responderia que isso era mentira.