A batalha ainda não acabou, ou melhor, a guerra ainda não acabou. Esta batalha é que sim e quem ganhou foram os que queriam pôr fim ao programa de recolha de dados telefónicos em massa de cidadãos norte-americanos pela Agência de Segurança Nacional (NSA), cujo poder para o fazer expirou temporariamente à meia-noite de domingo para segunda-feira.
Depois de uma tensa semana, em que os democratas e a ala ultraconservadora do Partido Republicano, o Tea Party, aprovaram um projecto de lei na Câmara dos Representantes para limitar os poderes da NSA, foi o republicano Rand Paul quem forçou o Senado de maioria republicana a aprovar essa medida, apesar de todos os que, dentro do seu partido, na oposição, pediam o chumbo.
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A urgência em aprovar o USAFreedom Act – ou, em vez disso, a extensão do programa da NSA que Edward Snowden trouxe a público e que muitos, incluindo um tribunal federal, ditam “ilegal” – era o prazo em que alíneas do Patriot Act, que a administração de George W. Bush aprovou no pós-atentados de 2001, expiravam, no final de Maio. Sem consenso para validar a extensão do programa de vigilância e espionagem de cidadãos, expirou mesmo – ainda que temporariamente. Uma brecha ficou aberta para forçar o Senado a abrir mão da promessa que manteve até ao último minuto de chumbar o USAFreedom Act. Mas nada está fechado e novas votações vão ter lugar nas próximas semanas.
Manobra política Que a questão de (algumas) liberdades e direitos fundamentais é transversal à sociedade americana é sabido e a junção de forças entre democratas e parte da ala republicana prova que ela ultrapassa a política. Mas é de “manobrismo político” que Rand Paul, o senador republicano que forçou o fim da secção 215 do Patriot Act, está a ser acusado. Conhecido libertário, a filosofia política que defende o mínimo de intervenção do Estado federal nas vidas dos cidadãos, Rand Paul até pode ter interesse em limitar a NSA; mas o que dizem colegas é que está a usar isso para fazer campanha eleitoral. E o facto de ter pressionado o Senado para aprovar essa medida valeu-lhe duras críticas, a começar pela Casa Branca, que disse ser “irresponsável” travar o Patriot Act numa hora de aperto para os EUA, em que são crescentes as ameaças externas que pendem sobre o país.
Há até quem acuse o senador de “mentir” sobre a vigilância governamental para conseguir mais doações de campanha, numa altura em que se começam a perfilar os candidatos às primárias de cada partido antes das eleições presidenciais de 2016. “Eu sei o que está a acontecer”, disse John McCain ao “Politico” nos bastidores da votação. “Penso que é muito claro que isto, até certo nível, é um exercício de recolha de fundos”, explicou o senador republicano pelo Arizona, grande defensor do programa anterior da NSA agora em suspenso, sob o argumento de ser um “instrumento fulcral” da luta contra o terrorismo. “[Paul] obviamente dá mais prioridade às suas ambições políticas e de angariação de fundos, mais do que fazer da segurança da nação uma prioridade sua.”
O facto de a secção 215 e outras duas alíneas do Patriot Act, que possibilitavam três programas diferentes de vigilância e espionagem dando amplos poderes à agência secreta, ter expirado irritou Barack Obama. Há alguns dias, perante o tenso braço-de-ferro no Senado para tomar uma decisão, o presidente norte–americano deu uma entrevista à CNN em que sublinhou a importância de se manter o Patriot Act como está. “Se o Congresso falhar, não há plano B”, disse.O Congresso falhou e está tudo em suspenso neste momento.
Os que apoiam o fim do programa de recolha e registo de dados telefónicos de forma abrangente e sem necessidade de ordens judiciais ou suspeitas que o justifiquem concordam com as críticas a Paul, mas foi a sua postura que lhes permitiu aprovar o USAFreedom Act, um pacote de medidas que vem limitar, em parte, os programas de vigilância da NSA.
Porque as provisões do Patriot Act expiravam a 31 de Maio, Rand Paul usou de filibuster (uma medida processual do Congresso americano em que um membro do Senado pode falar durante várias horas para forçar o adiamento de uma votação) para garantir que essas medidas não eram alargadas, o que forçou a aprovação do USAFreedom Act, mas apenas “temporariamente”.
Depois do que fontes da Casa Branca disseram em anonimato ao “New York Times” sobre Paul e os democratas estarem “a jogar à roleta russa com a segurança nacional”, entra para já em vigor a nova medida que, entre outras coisas, impede a NSA de reunir em massa dados de chamadas telefónicas, de cartões de crédito e de utilização da internet, exigindo à agência que peça uma autorização judicial bem fundamentada por cada indivíduo que quiser espiar e vigiar.