Zeca Xaud. Não é um nome da bola mas merece ser conhecido. Zeca Xaud é um senhor com mais de 70 anos de idade, presidente da Federação Roraimense de Futebol há mais de 40. É ele quem organiza os estaduais daquela zona do Brasil, com seis equipas na 1.a divisão e uma média de 50 espectadores por jogo (sim, 50; siiiiim, cin-quen-ta). Isso não o impede de receber 700 mil reais por ano da CBF para “gerir” o futebol local. E o seu voto tem tanto peso como o da federação paulista. Ou carioca. Serve isto para introduzir a cena da FIFA, com polémicas, polémicas e mais polémicas. Imaginem a quantidade de Zecas Xaud por esse mundo fora, entre Europa, África, Américas, Oceânia e Ásia.
Eles andem aí, como dizia o outro. As suspeitas de anos e anos dão agora lugar a certezas e verdades fraudulentas.Atenção, isto ainda não é o fim – nem de perto nem de longe.
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As últimas 48 horas, com apreensões, suspensões e outras que tais, convidam à imaginação.De Zurique a Trinidad e Tobago, passando pelo Uruguai e pela Argentina, os juízes mexem-se e os Zecas Xaud apresentam-se à polícia para declarar sobre desvios de dinheiro e subornos. É um mundo virado de pernas para o ar. E hoje a FIFA vai a votos, entre o suíço Blatter e o jordano Ali-Hussein. Se ganhar o primeiro, representa o quinto mandato desde Junho de 1998. E isso é possível?p
No papel, sim. Blatter tem o apoio da CAF (África) e até da AFC (Ásia) mas estes últimos dias abanam o sistema. Tanto assim é que a UEFA, através do presidente Michel Platini, está mais virado que nunca para Al-Hussein. “Fiquei mesmo chateado. Já chega! Uma grande grande maioria dos 54 membros da UEFA vão votar na candidatura do príncipe Al-Hussein. Temos de mudar a presidência da FIFA para mudarmos o futuro. Ainda estou a tentar convencer algumas federações europeias que não estão convencidas. A FIFA é a mãe do futebol e não falamos assim da nossa mãe.”
Quem fala assim não é gago. E há mais. “Disse-lhe que se devia demitir, ter a grandeza de reconhecer que devia sair. Ao que ele me disse ‘Michel, é muito tarde, não posso partir com o congresso a começar esta tarde’. Se é assim, caso Blatter ganhe as eleições, a UEFA vai reunir em Berlim para discutir o relacionamento futuro com a FIFA.” Caso ganhe? Platini ainda sonha. E Blatter? É a tranquilidade em pessoa. Ou não fosse ele o digno sucessor de João Havelange.
Caso ganhe, é o quinto mandato de Blatter, presidente da FIFA desde Junho de 1998
Quem? Havelange é o homem-motor daquilo que hoje é a FIFA. Presidente entre 1974 e 1998, é o brasileiro quem faz a aproximação da FIFA com os países menos falados dos 122 integrantes. Aliás, África e Ásia não contam para o totobola em Mundiais com escassas seis vagas (agora, nove). Havelange globaliza a FIFA, faça-lhe essa justiça.E depois a vénia. Ou então não. A ajudá-lo um tal Horst Dassler, filho de Adi Dassler (criador da Adidas) e padrinho de Havelange nas presidenciais em 1974.
O sonho (de consumo) de Dassler é ver a sua marca nas camisolas das principais selecções e ter o exclusivo em Mundiais. Para tal, apoia Havelange e começa a distribuir maços de dinheiro para convencer os indecisos ou resistentes. Com a vitória de Havelange, abre-se o caminho da Adidas para encher-se de dinheiro à conta da tal exclusividade. Da bola às camisolas na maioria das selecções (61 contra 30 da Puma e 31 da Nike). E mais, muuuuuito mais.
Então? O maior negócio de Dassler é a criação da International Sport and Leisure (ISL), em 1982. Esta empresa é a única autorizada a revender os direitos de transmissão da Copa do Mundo para as televisões. Para cúmulo, a ISL impõe o seu preço de mercado consoante o país. Em 2001, a ISL abre falência e deixa uma dívida no valor de 300 milhões de dólares – a segunda maior na história da Suíça.
Para entender o porquê do desmoronamento, uma investigação entra em curso e chega-se à conclusão que a ISL funciona como estratagema dos próprios funcionários para ganhar dinheiro por fora. Ou seja, fecham-se negócios à revelia da ISL. O talDassler sai de cena.Entram outros.
A FIFA funciona desde 1904 e ainda é uma associação civil sem fins lucrativos – grupo de pessoas à procura do interesse comum e não-económico. Pela lei, a FIFA não pode ter lucro mas não é isso que se vê ao longo dos anos. Primeiro, a FIFA está em Zurique, na Suíça, um paraíso fiscal, um país em que não se fiscaliza as actividades financeiras das organizações. Depois, a FIFA não anuncia os balanços financeiros até 2002 (e mesmo depois desse ano, não o fazem de forma detalhada). Vai daí, de 2012 para 2013, há um aumento de 2,8 milhões de dólares em salários para os 24 funcionários da FIFA, incluindo o presidente Blatter. Porquê, quem e como? Pois, eis umas perguntas básicas ainda sem resposta. Por culpa de Blatter, também ele apadrinhado por Adi Dassler com um estágio de seis meses na sede da Adidas, pouco antes da eleição em Junho de 1998. É para continuar mais uns anos ou game over?