Este ano ainda vou usar calções


Duas crianças brincam e uma diz à outra: “O que queres ser quando desistires?” Tive uma epifania.


Já todos os leitores devem ter percebido que não lido lá muito bem com o passar do tempo. Curiosamente, isso não faz com que tenha um relação problemática com o passado – no sentido de querer voltar atrás ou de ter muitos traumas, arrependimentos ou rancores –, mas deixa-me sempre apreensiva relativamente ao futuro.

Por mais que olhe para trás e reconheça que a minha vida não tem sido tão complicada como previra (em momentos como a morte do meu pai, por exemplo – porque, vá, sobrevivi), parece sempre que o pior ainda está para vir. Tenho sempre o pessimismo às cavalitas e a coluna, já se sabe, toda torta.

Só no Verão é que consigo suspender vagamente esta dor de alma crónica através de cuidados paliativos que não passam de sucedâneos da juventude, como, por exemplo, os festivais de música. 

Isto de crescer é muito mais aquilo que nos dizem que deve ser que aquilo que é. Eu vou ser melómana até morrer, por isso não me parece que deixe de querer ir a concertos, mas já começo a ouvir insinuações de que isto são coisas de velha gaiteira.

Nunca me deixei abalar, mas nos últimos anos tenho pensado sempre que “se calhar para o ano já não posso usar calções”. E pior que sofrer algum tipo de complexo – mesmo com umas pernas jeitosinhas é muito difícil não sentirmos a auto--estima beliscada pelos biquíni bodies com a moda da estação –, o problema é mesmo pensar que já devia sofrer algum tipo de complexo. Que é o que se espera de uma mulher de 36.

Num cartoon da “New Yorker”, duas crianças brincam e uma diz à outra: “O que queres ser quando desistires?” Tive uma epifania quando vi isto: não é crescer que me dói, é ver a maior parte das pessoas à minha volta a achar que ser adulto é precisamente desistir. E que, a partir de uma certa altura da vida, regem as suas escolhas em função dessa sua desistência: os empregos que têm, as pessoas com quem se casam, até o momento em que decidem fazer filhos.

Escolhas que são uma espécie de pré-elegia, investimentos num futuro velho e confortavelzinho, bengalas existenciais que o risco, a paixão e a diversão não nos garantem.

Eu também vou precisar de bengalas, como todos os outros, mas, no meio do meu pessimismo, tenho a esperança de que o meu futuro seja um pouco menos velho se investir não na desistência antecipada mas em memórias felizes que me amparem.

Guionista, apresentadora e porteira do futuro
Escreve à sexta e ao sábado