Mudam-se os tempos, mudam-se os interesses. Se há mais de 50 anos, em plena crise dos mísseis cubanos com a URSS a espreitar, a ilha comunista era uma das maiores ameaças aos Estados Unidos, hoje é uma nação que Barack Obama quer chamar a si. Pede-lhe fidelidade em troca do fim do embargo económico, numa altura em que várias guerras – ou uma só, de proporções quase míticas – está a ser preparada e alimentada a cada dia.
Um desses conflitos opõe os Estados Unidos e a União Europeia à Rússia, em tempos líder do gigante soviético, hoje reduzida às tentativas de manter o poderio regional e a influência de antigamente sobre as nações que compunham o império. Uma Rússia comunista, como o novo camarada dos Estados Unidos (ainda que as semelhanças entre Havana e Moscovo estejam hoje quase totalmente restringidas à palavra ‘comunismo’ esvaziada de conteúdo).
O que muitos ditaram “histórico” neste estender de mão de Obama a Raul Castro em Dezembro, o renascimento de uma amizade cortada há mais de meio século, é apenas e só calculismo
O que muitos ditaram “histórico” neste estender de mão de Obama a Raul Castro em Dezembro, o renascimento de uma amizade cortada há mais de meio século, é apenas e só calculismo. Uma estratégia que não se fica por conter os avanços russos e as suas intenções de partir da Ucrânia para um campo de conquistas maior. Passam pela China comunista, aliada da Rússia, cuja presença na América Latina tem crescido de forma estrondosa nos últimos anos.
Só em 2014 os países da América Latina receberam 22 mil milhões de euros em empréstimos de Pequim. O total desde 2005 ultrapassa já os 119 mil milhões, com tendência a aumentar. E neste cenário, o grande líder ideológico e simbólico da resistência anti-americana na região tornou-se, de súbito, o fruto mais apetecido dos EUA. Até porque ser amigo de Cuba é garantir, pelo menos em teoria, mais influência em países como o Equador, a Bolívia ou a Venezuela.
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Hoje o presidente americano cumpriu a promessa de retirar Cuba da lista de países que patrocinam o terrorismo, um dos passos que mais cimento deita nos laços que Obama quer fazer renascer (com a ajuda do papa Francisco, que até já pôs Raul a dizer que, por ele, se calhar volta a rezar). Assim que o cimento secar, virá a reabertura da embaixada dos EUA em Havana e de Cuba em Washington D.C. – talvez até mais cedo do que se julga. O tempo é precioso e, para Obama, está a esgotar-se. É possível que hoje tenha passado a usar de bom humor nos telefonemas com Raul. “Alô camarada Castro, daqui Obama”. Certo é que Vladimir Putin já não o faz.