Contra o culto das maiorias absolutas


O entendimento manter-se-á nas próximas eleições. Não numa lógica de salvação nacional, mas de pura aritmética política. 


O culto das maiorias absolutas é um importante sintoma de uma doença que infelizmente alastrou na democracia: a falta de uma cultura de compromisso, a dificuldade de encontrar pontes de entendimento, de delegar competências e, por fim, a falta de tolerância em relação a ideias diferentes.

Não é um fenómeno apenas português, mas em Portugal a dificuldade é amplificada por dezenas de anos de salazarismo e, para crentes de transcendências históricas, por séculos de monarquia, despotismos iluminados e por iluminar, autoritarismos e falta de cultura democrática.

A coligação liderada por Passos Coelho, apesar da instabilidade trazida por Paulo Portas com o seu “irrevogável”, palavra que ganhou direito a entrada directa para o léxico político, conseguiu manter o governo do princípio ao fim do mandato. Ainda assim, pouco ou nada se percebeu quanto às diferenças de identidade entre PSD e CDS. Estimulado e apoiado por Cavaco Silva, foi um governo que assegurou estabilidade parlamentar num período em que ela era essencial. Com a troika no país, um governo sem maioria parlamentar teria sido potencialmente caótico. Este é o crédito de PSD e CDS. 

O entendimento manter--se-á nas próximas eleições. Não numa lógica de salvação nacional, mas de pura aritmética política. Os dois partidos, com gente que provou o gosto do poder, e que por definição não o quer largar, concluíram que devem assumir as eleições coligados. Não por vontade de que o seu compromisso com os portugueses seja mais plural por ser uma soma de duas visões do futuro, mas porque a soma dos dois é a melhor solução para manterem o poder. 

O CDS é um partido híbrido. Um partido de um só homem com quadros que precisam que Paulo Portas saia de cena para terem direito à vida, a começar por Assunção Cristas. É o único partido que, pela sua flexibilidade, está disponível para namorar e casar com PSD ou PS. Mais nenhum partido tradicional parece disponível para isso. Ninguém governa com o PCP e o PCP não aceita acordos com ninguém. Bloco de Esquerda a mesma coisa.

O PS não pode aliar-se com ninguém à sua esquerda (o Livre é um partido de marca branca que poderá eventualmente desempenhar esse papel). 

Em Espanha, no rescaldo das eleições locais, com o advento do Podemos e do Cidadãos, 69 por cento dos espanhóis consideram positivo o desaparecimento de maiorias absolutas. As pessoas têm necessidade de pluralidade, de acordos que alarguem o pensamento e a acção, de gente que não tenha medo de ouvir quem pensa de modo diferente e nessa diferença encontre ideias representativas e socialmente mais amplas. Ainda não estamos aí. Mas será inevitável que caminhemos para aí. Sem complexos e com sentido patriótico e democrático. Nisso Cavaco Silva tem razão. Mas talvez não pelos motivos que aponto.

Contra o culto das maiorias absolutas


O entendimento manter-se-á nas próximas eleições. Não numa lógica de salvação nacional, mas de pura aritmética política. 


O culto das maiorias absolutas é um importante sintoma de uma doença que infelizmente alastrou na democracia: a falta de uma cultura de compromisso, a dificuldade de encontrar pontes de entendimento, de delegar competências e, por fim, a falta de tolerância em relação a ideias diferentes.

Não é um fenómeno apenas português, mas em Portugal a dificuldade é amplificada por dezenas de anos de salazarismo e, para crentes de transcendências históricas, por séculos de monarquia, despotismos iluminados e por iluminar, autoritarismos e falta de cultura democrática.

A coligação liderada por Passos Coelho, apesar da instabilidade trazida por Paulo Portas com o seu “irrevogável”, palavra que ganhou direito a entrada directa para o léxico político, conseguiu manter o governo do princípio ao fim do mandato. Ainda assim, pouco ou nada se percebeu quanto às diferenças de identidade entre PSD e CDS. Estimulado e apoiado por Cavaco Silva, foi um governo que assegurou estabilidade parlamentar num período em que ela era essencial. Com a troika no país, um governo sem maioria parlamentar teria sido potencialmente caótico. Este é o crédito de PSD e CDS. 

O entendimento manter--se-á nas próximas eleições. Não numa lógica de salvação nacional, mas de pura aritmética política. Os dois partidos, com gente que provou o gosto do poder, e que por definição não o quer largar, concluíram que devem assumir as eleições coligados. Não por vontade de que o seu compromisso com os portugueses seja mais plural por ser uma soma de duas visões do futuro, mas porque a soma dos dois é a melhor solução para manterem o poder. 

O CDS é um partido híbrido. Um partido de um só homem com quadros que precisam que Paulo Portas saia de cena para terem direito à vida, a começar por Assunção Cristas. É o único partido que, pela sua flexibilidade, está disponível para namorar e casar com PSD ou PS. Mais nenhum partido tradicional parece disponível para isso. Ninguém governa com o PCP e o PCP não aceita acordos com ninguém. Bloco de Esquerda a mesma coisa.

O PS não pode aliar-se com ninguém à sua esquerda (o Livre é um partido de marca branca que poderá eventualmente desempenhar esse papel). 

Em Espanha, no rescaldo das eleições locais, com o advento do Podemos e do Cidadãos, 69 por cento dos espanhóis consideram positivo o desaparecimento de maiorias absolutas. As pessoas têm necessidade de pluralidade, de acordos que alarguem o pensamento e a acção, de gente que não tenha medo de ouvir quem pensa de modo diferente e nessa diferença encontre ideias representativas e socialmente mais amplas. Ainda não estamos aí. Mas será inevitável que caminhemos para aí. Sem complexos e com sentido patriótico e democrático. Nisso Cavaco Silva tem razão. Mas talvez não pelos motivos que aponto.