O problema do Estado Islâmico


Nos subúrbios de Paris, Londres, Berlim, Roma ou Lisboa crescem bairros de gente sem perspectivas.


O Estado Islâmico ocupou metade da Síria, domina um terço do Iraque, tem refinarias, milhares de homens no terreno, gente experiente da Al-Qaeda, ex-fiéis de Saddam Hussein, escolas, uma máquina fiscal e repressiva, tribunais, propaganda, redes de influência e recrutamento. E dinheiro suficiente para comprar armamento a traficantes que venderam a alma ao diabo.

A conquista de Ramadi e de Palmira é impressionante. Faz pensar. No que eles são, no que fazem, no que são capazes de fazer, mas também no que somos, no que nos transformámos, no que não conseguimos evitar que acontecesse. Uma parte importante dos exércitos deste grupo de terroristas nasceu no Ocidente, são soldados que vêm de todo o lado, um pouco como aconteceu na Guerra Civil Espanhola. No princípio do século XX, milhares de jovens de todo o mundo alistaram-se na Frente Popular, formada por comunistas, anarquistas, nacionalistas catalães e bascos. Do outro lado, falangistas reaccionários, monárquicos e a extrema-direita também receberam ajuda de idealistas com sangue na guelra, ódio ao marxismo e horror à revolução russa. 

O paralelismo esgota-se aí. Em Espanha, os que arriscavam a vida eram idealistas. Acreditavam na transformação do mundo ou, pelo contrário, acreditavam que uma revolução bolchevique levaria a um colapso civilizacional. Já os jovens que se alistam no Estado Islâmico para combater e morrer são miúdos que não têm nada a perder pela simples razão de que nada têm. As cidades europeias são metrópoles cosmopolitas e máquinas de exclusão. Nos subúrbios de Paris, Londres, Berlim, Roma ou Lisboa crescem bairros de gente sem perspectivas, sem trabalho, sem identidade, sem pátria. Um exército de excluídos disponíveis para morrer por quem lhes ofereça atenção e uma arma. Passam a ter um objectivo: pôr fim à sociedade que os humilhou. 

O mesmo sucedeu na Alemanha do III Reich. A brutal incúria dos aliados após a I Guerra Mundial deixou a classe média burguesa alemã em ponto de rebuçado e à mercê de alguém que a soubesse levar na direcção dos que pretendiam ajustar contas com a história. O mal, enquanto movimento colectivo, é uma soma de circunstâncias, não nasce de geração espontânea. A ideia de mal precisa sempre de um campo fértil para se expandir; sem ele, as ervas daninhas não podem crescer com tanta violência. 

O Estado Islâmico tem de ser destruído. O que está a acontecer em Palmira, o que sucedeu em Mossul ou Nimrod é qualquer coisa de fantasmático, de apocalíptico, um “Mad Max” real, uma barbárie. Cada dia gasto é uma catástrofe, algo de substancial terá de ser feito. Eles estão à nossa porta, temos de a fechar. E impedi--los de existirem enquanto projecto de poder e de medo. 

Mas o problema não acabará com a morte do Estado Islâmico. A sociedade de que fazemos parte, as cidades onde vivemos não podem ser o campo fértil para homens e mulheres humilhados e excluídos. Porque não o esqueçamos: a monstruosidade isolada existe, há pessoas capazes do inominável e sem que para isso precisem de um motivo. Mas a monstruosidade colectiva raramente é a soma de perversidades individuais, é apenas o efeito das circunstâncias num conjunto de pessoas sem nada a perder. 

O problema do Estado Islâmico


Nos subúrbios de Paris, Londres, Berlim, Roma ou Lisboa crescem bairros de gente sem perspectivas.


O Estado Islâmico ocupou metade da Síria, domina um terço do Iraque, tem refinarias, milhares de homens no terreno, gente experiente da Al-Qaeda, ex-fiéis de Saddam Hussein, escolas, uma máquina fiscal e repressiva, tribunais, propaganda, redes de influência e recrutamento. E dinheiro suficiente para comprar armamento a traficantes que venderam a alma ao diabo.

A conquista de Ramadi e de Palmira é impressionante. Faz pensar. No que eles são, no que fazem, no que são capazes de fazer, mas também no que somos, no que nos transformámos, no que não conseguimos evitar que acontecesse. Uma parte importante dos exércitos deste grupo de terroristas nasceu no Ocidente, são soldados que vêm de todo o lado, um pouco como aconteceu na Guerra Civil Espanhola. No princípio do século XX, milhares de jovens de todo o mundo alistaram-se na Frente Popular, formada por comunistas, anarquistas, nacionalistas catalães e bascos. Do outro lado, falangistas reaccionários, monárquicos e a extrema-direita também receberam ajuda de idealistas com sangue na guelra, ódio ao marxismo e horror à revolução russa. 

O paralelismo esgota-se aí. Em Espanha, os que arriscavam a vida eram idealistas. Acreditavam na transformação do mundo ou, pelo contrário, acreditavam que uma revolução bolchevique levaria a um colapso civilizacional. Já os jovens que se alistam no Estado Islâmico para combater e morrer são miúdos que não têm nada a perder pela simples razão de que nada têm. As cidades europeias são metrópoles cosmopolitas e máquinas de exclusão. Nos subúrbios de Paris, Londres, Berlim, Roma ou Lisboa crescem bairros de gente sem perspectivas, sem trabalho, sem identidade, sem pátria. Um exército de excluídos disponíveis para morrer por quem lhes ofereça atenção e uma arma. Passam a ter um objectivo: pôr fim à sociedade que os humilhou. 

O mesmo sucedeu na Alemanha do III Reich. A brutal incúria dos aliados após a I Guerra Mundial deixou a classe média burguesa alemã em ponto de rebuçado e à mercê de alguém que a soubesse levar na direcção dos que pretendiam ajustar contas com a história. O mal, enquanto movimento colectivo, é uma soma de circunstâncias, não nasce de geração espontânea. A ideia de mal precisa sempre de um campo fértil para se expandir; sem ele, as ervas daninhas não podem crescer com tanta violência. 

O Estado Islâmico tem de ser destruído. O que está a acontecer em Palmira, o que sucedeu em Mossul ou Nimrod é qualquer coisa de fantasmático, de apocalíptico, um “Mad Max” real, uma barbárie. Cada dia gasto é uma catástrofe, algo de substancial terá de ser feito. Eles estão à nossa porta, temos de a fechar. E impedi--los de existirem enquanto projecto de poder e de medo. 

Mas o problema não acabará com a morte do Estado Islâmico. A sociedade de que fazemos parte, as cidades onde vivemos não podem ser o campo fértil para homens e mulheres humilhados e excluídos. Porque não o esqueçamos: a monstruosidade isolada existe, há pessoas capazes do inominável e sem que para isso precisem de um motivo. Mas a monstruosidade colectiva raramente é a soma de perversidades individuais, é apenas o efeito das circunstâncias num conjunto de pessoas sem nada a perder.