O que faz tanta gente numa terça-feira depois de almoço na Tapada da Ajuda? Beber é a resposta para queijinho, se lá houvesse disso – por enquanto, ainda não se põe queijo dentro do gin tónico. Contentemo-nos com umas folhitas de manjericão, uma raspa de laranja e muitas pedras de gelo, como manda a moda. “Tanta gente? Mas ninguém trabalha?”, pergunta alguém. Aqui trabalha-se e bem, ou não estivéssemos no Lisbon Bar Show, um evento de dois dias (terminou ontem) que reúne profissionais e amadores da arte dos cocktails e das bebidas alcoólicas em geral.
O gin, claro, rouba sempre o protagonismo num evento deste género, embora haja boas geringonças concorrentes, como um resfriador de copos, a 280 euros, que gela os copos – para gin, claro.
“O gin não vai desaparecer, não vai morrer”, tranquiliza (ou não) o organizador do evento, Alberto Pires, dono da empresa Mojito Bar Catering. “Eu, pessoalmente, gosto de rum e acho que é uma bebida que está a crescer bastante. Não vai substituir o gin porque não é tão facilmente miscível, mas vai ter mais notoriedade do que tem agora.”
No ano passado, o primeiro do evento, contaram-se 1500 visitantes no Lisbon Bar Show – um número muito aquém dos copos de gin que foram servidos, dizemos nós. Este ano “espera-se o dobro das pessoas”, diz Alberto, até porque o evento “dura dois dias em vez de um”. Entre as novidades do programa está uma competição de “vintage cocktails” para barmen portugueses e a regra principal do concurso “é que todos os ingredientes tenham mais de 40 anos”.
Se Steve Schneider participasse, era nele que apostávamos as fichas todas. O bartender norte-americano é o centro das atenções no balcão da Bacardi, neste Lisbon Bar Show, e dá para perceber porquê. Há pouco tempo foi nomeado Melhor Bartender do Ano em Las Vegas, “um prémio em que não queria aceitar”, diz o próprio. “Para mim, o que faz um bom bartender é um conjunto de coisas, desde os colegas à qualidade do serviço, por isso não devia ser só um prémio individual. Mas acabei por aceitar, mais por educação e respeito à organização.”
Schneider, 31 anos, um ex-fuzileiro que se tornou barman ao estilo Tom Cruise em “Cocktail”, aterrou em Lisboa em plena festa do Benfica. “O meu hotel fica mesmo em frente ao, como se diz… Marquês?, e acordei a pensar que estávamos a ser atacados”, ri-se. “Pensei logo, porra, tenho de me juntar a esta festa. Comprei um cachecol por cinco euros, e lá fui eu equipado para que ninguém pensasse que era adepto do Porto.”
Dois dias depois estava no stand da Bacardi a preparar cocktails como o Hemingway Daiquiri, iguais ao que costuma fazer atrás do balcão do Employees Only, o bar nova-iorquino onde trabalha, considerado um dos melhores bares de cocktails do mundo pelos Spirited Awards.
Ser bartender não lhe passava pela cabeça. “Já tinha a minha vida pensada. Queria estar no serviço militar durante 30 anos, para depois me poder reformar aos 48 anos e ter tudo pago”, conta. “Aliás, quando fui para os fuzileiros, era um dos melhores. Um ranking que geralmente se demora dois anos a alcançar, consegui em seis meses”, recorda.
Tudo mudou numa noite – curiosamente, também num bar – numa parte duvidosa de Nova Jérsia, quando tinha 19 anos. Tentou intervir numa briga e foi ele o principal prejudicado, com uma “lesão cerebral”, depois de lhe terem esmagado a cabeça num lancil.
“Os médicos achavam que não iam sobreviver”, conta. “Levei três placas na cabeça e passei os três anos seguintes a fazer jogos de memória, e nada parecia estar a funcionar. Se calhar, porque não queria estar ali. Quando não queremos estar num sítio, as coisas não funcionam.”
Acabou por sair dos fuzileiros, mas a vida continuava difícil. “Estava cheio de dívidas. Quando somos novos, temos um cartão de crédito e fazemos coisas estúpidas, e este foi mais um erro estúpido.”
Conseguiu um trabalho num bar em Georgetown, Washington D.C., apesar de não ter nenhuma experiência. “Custava-me mais dinheiro ir trabalhar do que propriamente o dinheiro que fazia lá, mas sentia-me finalmente feliz”, recorda. “Era um bar terrível, com música ao vivo, um bar universitário, uma merda. Às vezes, quando sinto o cheiro a cerveja má, tenho flashbacks desse bar.”
Pela primeira vez na minha vida, estava feliz a fazer alguma coisa. “E isso foi o primeiro passo para a recuperação.” Depois ganhou um concurso de barman mais rápido e isso ajudou-o “a pagar muitas das dívidas”.
Hoje em dia é o bartender principal do Employees Only e uma figura reconhecida nos Estados Unidos, depois do documentário “Hey Bartender”, de Douglas Tirola, que se estreou em 2013.
“Quando se é bartender tem de se fazer muito contacto visual com os clientes. E a história do documentário também começou assim”, diz. “Percebi que um cliente estava ali completamente deslocado e meti conversa. Dei-lhe umas tequilas enquanto preparava bebidas para outras pessoas e ele disse-me que estava fascinado com este mundo dos bartenders e que queria fazer um documentário.”
Segundo ele, é a interacção com as pessoas que faz um bom bartender. “Por exemplo, agora, quando tiver um cliente português, posso contar-lhe que estive aqui.” E na festa do Benfica.