Escolher o Estado do futuro


Entre reduzir e cortar e racionalizar e reinvestir, a escolha do modelo de actuação e prestação públicas é decisiva no voto de Outubro


Uma das naturezas que justificam a debilidade do país e do “ser” português é a aversão ao risco. Se quisermos, um receio ou temor pela novidade e pela evolução, que atrofia a tradução das nossas capacidades e a competitividade com os “outros”, cá dentro e lá fora. As explicações dessa espécie de conformação nacional são muitas (até históricas e geográficas) mas uma delas parece ser bem certeira para os tempos republicanos: desenvolveu-se uma cultura de subserviência e de sustento relativamente ao Estado, enquanto entidade produtora de bens e serviços e amálgama de “corporações” e “interesses” que se protegem no manto público (ainda legado do aparelho do Estado Novo), especialmente visível nos momentos de astenia da economia, debilidade social e fragilidade dos costumes. Desde logo por culpa do Estado, que, a pretexto dos impostos e dos subsídios, nunca deixou de querer gerir fora do seu recinto, subvencionando e, por vezes, prolongando agonias. Até ao dia em que não há dinheiro para o Estado social acudir a todos os fogos. O dia em que o Estado tem que se preocupar em ser patrão dos seus trabalhadores – pagando os seus salários com dignidade e tratando com justiça relativa as suas carreiras – e assegurar as reformas e os encargos com que se compromete. O dia em que a economia tem que se libertar de um nexo de dependência do sujeito público e, em contrapartida, demandar facilitação nos procedimentos e um decréscimo assinalável da carga fiscal (por falta de contrapartidas públicas). O dia em que tem de se redefinir o “papel estruturante” do Estado nas funções classicamente exercidas (justiça, segurança, educação, saúde) e direccioná-lo, fora de lógicas estritamente político-partidárias e de controlo do funcionalismo e da empresarialidade estatais, para onde cria valor inigualável em identidade e “marca” (recursos naturais, cultura, investigação e ciência, etc.). Esse dia chegou, de forma brusca e recessiva, mais depressa do que pensávamos. Se virmos bem, esse dia chegou num quadro de mudança geracional (esta não é uma geração “perdida”!) e relativo câmbio das mentalidades. Um bom exemplo é a modificação estrutural nas “pequenas e médias” empresas, capturadas por sócios e administradores com outra qualificação, com outras valências linguísticas e com outra cabeça para o exterior. Não aguardaram pelo Estado e formataram as organizações sem escopos apenas paroquiais, assentes em inovação e flexibilidade. O reflexo dessa modificação nas exportações e no aparecimento de novos “negócios” está a ver-se agora e promete continuar. É o futuro.

Esta semana voltámos a tomar contacto com as receitas do FMI, que insistem na redução da despesa pública pela via definitiva (e não temporária) da diminuição de salários e pensões, do fim das progressões na carreira, da saída de funcionários e dos cortes onde há emprego excessivo. Uma nova pressão para redefinir o “Estado-empregador” e deliberarmos: para onde vai o Estado nesse futuro? Esta é a grande questão ideológica deste tempo, que não se resolverá por consenso dos partidos. Como se popularizou, é fracturante: “desestatizar” (como agora se diz) ou “reestatizar” (como se pode dizer)? Reduzir sectores e continuar a diminuir gasto público ou racionalizar e reinvestir no “Estado-produtor-prestador”? Exige-se, para evitar surpresas, uma escolha do eleitor no momento do voto. Para isso, com verdade e programa, seria decisivo que todos nós percebêssemos ao que vamos em Outubro.
 
Professor de Direito da Universidade de Coimbra. Jurisconsulto.
Escreve à quinta-feira

Escolher o Estado do futuro


Entre reduzir e cortar e racionalizar e reinvestir, a escolha do modelo de actuação e prestação públicas é decisiva no voto de Outubro


Uma das naturezas que justificam a debilidade do país e do “ser” português é a aversão ao risco. Se quisermos, um receio ou temor pela novidade e pela evolução, que atrofia a tradução das nossas capacidades e a competitividade com os “outros”, cá dentro e lá fora. As explicações dessa espécie de conformação nacional são muitas (até históricas e geográficas) mas uma delas parece ser bem certeira para os tempos republicanos: desenvolveu-se uma cultura de subserviência e de sustento relativamente ao Estado, enquanto entidade produtora de bens e serviços e amálgama de “corporações” e “interesses” que se protegem no manto público (ainda legado do aparelho do Estado Novo), especialmente visível nos momentos de astenia da economia, debilidade social e fragilidade dos costumes. Desde logo por culpa do Estado, que, a pretexto dos impostos e dos subsídios, nunca deixou de querer gerir fora do seu recinto, subvencionando e, por vezes, prolongando agonias. Até ao dia em que não há dinheiro para o Estado social acudir a todos os fogos. O dia em que o Estado tem que se preocupar em ser patrão dos seus trabalhadores – pagando os seus salários com dignidade e tratando com justiça relativa as suas carreiras – e assegurar as reformas e os encargos com que se compromete. O dia em que a economia tem que se libertar de um nexo de dependência do sujeito público e, em contrapartida, demandar facilitação nos procedimentos e um decréscimo assinalável da carga fiscal (por falta de contrapartidas públicas). O dia em que tem de se redefinir o “papel estruturante” do Estado nas funções classicamente exercidas (justiça, segurança, educação, saúde) e direccioná-lo, fora de lógicas estritamente político-partidárias e de controlo do funcionalismo e da empresarialidade estatais, para onde cria valor inigualável em identidade e “marca” (recursos naturais, cultura, investigação e ciência, etc.). Esse dia chegou, de forma brusca e recessiva, mais depressa do que pensávamos. Se virmos bem, esse dia chegou num quadro de mudança geracional (esta não é uma geração “perdida”!) e relativo câmbio das mentalidades. Um bom exemplo é a modificação estrutural nas “pequenas e médias” empresas, capturadas por sócios e administradores com outra qualificação, com outras valências linguísticas e com outra cabeça para o exterior. Não aguardaram pelo Estado e formataram as organizações sem escopos apenas paroquiais, assentes em inovação e flexibilidade. O reflexo dessa modificação nas exportações e no aparecimento de novos “negócios” está a ver-se agora e promete continuar. É o futuro.

Esta semana voltámos a tomar contacto com as receitas do FMI, que insistem na redução da despesa pública pela via definitiva (e não temporária) da diminuição de salários e pensões, do fim das progressões na carreira, da saída de funcionários e dos cortes onde há emprego excessivo. Uma nova pressão para redefinir o “Estado-empregador” e deliberarmos: para onde vai o Estado nesse futuro? Esta é a grande questão ideológica deste tempo, que não se resolverá por consenso dos partidos. Como se popularizou, é fracturante: “desestatizar” (como agora se diz) ou “reestatizar” (como se pode dizer)? Reduzir sectores e continuar a diminuir gasto público ou racionalizar e reinvestir no “Estado-produtor-prestador”? Exige-se, para evitar surpresas, uma escolha do eleitor no momento do voto. Para isso, com verdade e programa, seria decisivo que todos nós percebêssemos ao que vamos em Outubro.
 
Professor de Direito da Universidade de Coimbra. Jurisconsulto.
Escreve à quinta-feira