Só desconfiamos dos que são bons


As pessoas sentem-se prisioneiras a céu aberto. Mas é uma prisão da qual não sentem a necessidade de fugir.


Um canal de televisão chinês de boas notícias e que vende felicidade, harmonia e energia positiva está prestes a declarar falência. Os resultados estiveram longe de acompanhar a expectativa dos accionistas. Na verdade, foram catastróficos – os chineses preferem ver o mundo tal como ele é. 

A globalização atingiu um clímax. No Ocidente ou no Oriente, hábitos diferentes não correspondem a pensamentos opostos. É a armadilha de um sistema financeiro (alma do mercado) que constrói a sua lógica na capacidade de ir ao encontro dos desejos de uma comunidade alargada de pessoas. Para mal dos nossos pecados (certamente muitos), grandes multinacionais e canais de televisão sabem que a maioria desconfia mais do bem que do mal. Se encontrarmos uma pessoa generosa, passa-nos pela cabeça que pode ter alguma coisa na manga (quando a esmola é grande, o pobre desconfia); mas quando nos deparamos com um crápula, não nos passa pela ideia que não o é. 

As pessoas não se tornaram amorais. Valorizamos globalmente figuras como o Papa Francisco, Malala ou o desaparecido Mandela. É como se nessa oração colectiva pelos que são bons nos pudéssemos afastar das sombras pelas quais somos seduzidos. A amoralidade existe num poder que não é sufragado, que não é democrático ou escrutinado. Esse poder, que não é de direita ou de esquerda, destrói a ideologia quer esta seja socialista, conservadora ou liberal. É um poder centrado na ideia da ganância, da ambição individualista de ter em detrimento do ser. Um poder que dá às pessoas o que estas querem, que é invisível e que talvez ninguém realmente controle. O mercado funciona como se existisse para lá dos homens, é a soma de todas as cobiças, de todos os egoísmos. 

As pessoas sentem-se prisioneiras a céu aberto. Mas é uma prisão da qual não sentem a necessidade de fugir, um pouco como as moscas que se aproximam de uma iluminação que acabará por matá-las. Os governos da maioria dos países não decidem mais do que dois ou três temas essenciais. Retemos o que é negativo, esquecemo--nos das coisas boas – o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, queixa-se disso e com razão. Como António Costa se queixará. É sempre quando as coisas correm mal que as pessoas se lembram. Este governo fez reformas, mas a única que é referida foi a que não fez: a reforma do Estado, apresentada por Paulo Portas num dia certamente de nevoeiro. 

É também por isto que as sondagens falham. Pelo peso social de ser difícil admitir que se pode votar num candidato que as elites reais ou imaginadas não apreciem. Os eleitores sentem o peso social de gostar de determinadas coisas; na primeira maioria absoluta conquistada por Cavaco, não conheci uma única pessoa que tenha assumido ir votar no filho do gasolineiro. Como poucos assumirão votar em Marinho e Pinto. 

O canal chinês não tem espectadores disponíveis para o ver. Desconfiamos das pessoas boas, embora valorizemos uma ideia de bem. A política está prisioneira, mas tem prazer nisso. Lembramo-nos do que corre mal e rimos à gargalhada quando alguém tropeça à nossa frente. Somos imprevisíveis, cada vez mais. O sistema político, também em Portugal, irá inevitavelmente transformar-se. E a abstenção crescente é uma consequência simples de um estado de coisas: os políticos não acompanharam o mundo. Apesar de tudo, ainda bem. Se o tivessem feito, os líderes seriam outros, e muito piores. Mas corremos o risco de isso acontecer.

Só desconfiamos dos que são bons


As pessoas sentem-se prisioneiras a céu aberto. Mas é uma prisão da qual não sentem a necessidade de fugir.


Um canal de televisão chinês de boas notícias e que vende felicidade, harmonia e energia positiva está prestes a declarar falência. Os resultados estiveram longe de acompanhar a expectativa dos accionistas. Na verdade, foram catastróficos – os chineses preferem ver o mundo tal como ele é. 

A globalização atingiu um clímax. No Ocidente ou no Oriente, hábitos diferentes não correspondem a pensamentos opostos. É a armadilha de um sistema financeiro (alma do mercado) que constrói a sua lógica na capacidade de ir ao encontro dos desejos de uma comunidade alargada de pessoas. Para mal dos nossos pecados (certamente muitos), grandes multinacionais e canais de televisão sabem que a maioria desconfia mais do bem que do mal. Se encontrarmos uma pessoa generosa, passa-nos pela cabeça que pode ter alguma coisa na manga (quando a esmola é grande, o pobre desconfia); mas quando nos deparamos com um crápula, não nos passa pela ideia que não o é. 

As pessoas não se tornaram amorais. Valorizamos globalmente figuras como o Papa Francisco, Malala ou o desaparecido Mandela. É como se nessa oração colectiva pelos que são bons nos pudéssemos afastar das sombras pelas quais somos seduzidos. A amoralidade existe num poder que não é sufragado, que não é democrático ou escrutinado. Esse poder, que não é de direita ou de esquerda, destrói a ideologia quer esta seja socialista, conservadora ou liberal. É um poder centrado na ideia da ganância, da ambição individualista de ter em detrimento do ser. Um poder que dá às pessoas o que estas querem, que é invisível e que talvez ninguém realmente controle. O mercado funciona como se existisse para lá dos homens, é a soma de todas as cobiças, de todos os egoísmos. 

As pessoas sentem-se prisioneiras a céu aberto. Mas é uma prisão da qual não sentem a necessidade de fugir, um pouco como as moscas que se aproximam de uma iluminação que acabará por matá-las. Os governos da maioria dos países não decidem mais do que dois ou três temas essenciais. Retemos o que é negativo, esquecemo--nos das coisas boas – o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, queixa-se disso e com razão. Como António Costa se queixará. É sempre quando as coisas correm mal que as pessoas se lembram. Este governo fez reformas, mas a única que é referida foi a que não fez: a reforma do Estado, apresentada por Paulo Portas num dia certamente de nevoeiro. 

É também por isto que as sondagens falham. Pelo peso social de ser difícil admitir que se pode votar num candidato que as elites reais ou imaginadas não apreciem. Os eleitores sentem o peso social de gostar de determinadas coisas; na primeira maioria absoluta conquistada por Cavaco, não conheci uma única pessoa que tenha assumido ir votar no filho do gasolineiro. Como poucos assumirão votar em Marinho e Pinto. 

O canal chinês não tem espectadores disponíveis para o ver. Desconfiamos das pessoas boas, embora valorizemos uma ideia de bem. A política está prisioneira, mas tem prazer nisso. Lembramo-nos do que corre mal e rimos à gargalhada quando alguém tropeça à nossa frente. Somos imprevisíveis, cada vez mais. O sistema político, também em Portugal, irá inevitavelmente transformar-se. E a abstenção crescente é uma consequência simples de um estado de coisas: os políticos não acompanharam o mundo. Apesar de tudo, ainda bem. Se o tivessem feito, os líderes seriam outros, e muito piores. Mas corremos o risco de isso acontecer.