Mariela Castro. A mulher que viu Cuba avançar

Mariela Castro. A mulher que viu Cuba avançar


É filha de Raúl e sobrinha de Fidel, mas garantiu sempre uma visão única para o futuro do país. Tornou-se, como a mãe, activista a favor das minorias e uma referência nas questões de género.


António Gedeão escreveu que cada vez que o homem sonha, o mundo pula e avança.

Mariela Castro não é um homem mas sonhou, e muitas vezes, até ver o país que ama avançar. Pequenos passos, é certo, mas que fizeram uma diferença abismal quando comparada com a Cuba do tio Fidel.

Nascida a 27 de Julho de 1962 em Havana, cresceu numa década em que os homossexuais eram internados à força em quintas geridas pelo exército. Muita da inspiração para lutar pelos direitos das minorias foi herdada da mãe, Vilma Espín, feminista e revolucionária com um papel de destaque na sociedade cubana, mas também começou a pensar por si muito cedo.

“Fez parte de um processo de aquisição de consciência enquanto cidadã cubana que olhava para a realidade, ouvia-a e questionava. A vida neste país ensinou-me que não podemos ser simplesmente intérpretes da realidade, mas sim fazer parte dela, participar e até tentar mudar aquilo de que não se gosta ou que se acredita que deva ser mudado”, explicou numa entrevista ao “Havana Times” em Junho de 2009. “A participação pode ser a chave do socialismo no século xxi”, concluiu, garantindo ainda acreditar no sucesso da ideologia.

© Desmond Boylan/AP

O passado de Mariela serve como exemplo. No primeiro ano da universidade, fez parte do grupo da juventude comunista mas não gostou da forma como se tentava forjar uma suposta consciência revolucionária. “Era um processo que não me agradava e confrontei da melhor forma que pude. Acreditava em algo melhor. O que me incomodava mais era o extremismo, o preconceito. Odiava o conceito de ‘diversionismo ideológico’ porque via-o como um instrumento para os oportunistas”, afirmou.

As diferenças existiam, mas continuava a ser preciso aceitá-las e reconhecê-las. Foi nesse campo que Mariela Castro, contra a maré, se estabeleceu como referência, mesmo contra as políticas do tio e a renitência do pai. Mais moderado, Raúl resistiu aos argumentos da filha para mudar de posição, mas aconselhou Mariela a continuar com o activismo, com prudência.

A directora do Centro Nacional para a Educação Sexual de Cuba e forte activista dos direitos dos LGBT fez o seu caminho sozinha. Chegou a pedir desculpa publicamente pelo papel da família na detenção de gays e lésbicas no passado e começou a desbravar mentalidades para tornar a vida mais sustentável para todos no país.

Em 2005 apresentou uma proposta que autorizaria transexuais a fazer uma operação, sem custos, de mudança de género que fosse reconhecida legalmente. O documento tornou-se lei em 2008 e permite que qualquer pessoa que seja diagnosticada com uma disfunção de género – termo científico aplicado à transexualidade – possa ver os documentos de identificação alterados, desde o certificado de nascimento até ao passaporte. Para lá da operação, claro.

“O preconceito não pode estar num lugar de comando. Muitas experiências negativas levaram-nos à percepção de que isso não pode ser permitido”, afirma. Essa continua a ser a maior luta e foi por isso que, no fim-de-semana passado, patrocinou uma cerimónia em que padres norte-americanos abençoaram vários casais homossexuais que continuam à espera de que o casamento de pessoas do mesmo sexo seja legal em Cuba.

Com mais de mil manifestantes e 300 pessoas a aplaudir, Mariela Castro espera que este passo possa continuar a alertar consciências e abra caminho para que as minorias sejam cada vez mais tratadas como iguais num país que está a viver um período histórico, na sequência do levantamento do bloqueio dos Estados Unidos.

Era também essa a sua motivação há seis anos. “Uma Cuba sem bloqueio é uma Cuba que prosperará. Foi isso que pedi a São Pedro quando fui ao_Vaticano: prosperidade para Cuba. Primeiro pensei em pedir o fim do bloqueio, mas isso seria só parte da solução. Precisamos de prosperidade, seja de que maneira for”, prevendo a normalização das relações com os Estados Unidos como um momento que faria com que um grande peso saísse das costas dos cubanos.

O primeiro passo está dado, mas o caminho ainda vai ser longo e complicado. Apesar dos seus 52 anos, Mariela continua a sonhar como uma criança. Porque, voltando a Gedeão, fazê-lo é uma constante da vida. “Continuo a apostar no socialismo, mas baseado numa vertente dialéctica em que é preciso abordar todas as contradições que continuam a surgir e identificar as mudanças necessárias para o desenvolvimento.”