Há 23 anos, a Organização Mundial de Saúde (OMS) retirava a homossexualidade da sua lista de doenças mentais. O percurso está, no entanto, longe de terminar, seja pela existência de leis homofóbicas em certos países, seja pelo preconceito social que ainda persiste em algumas sociedade, mesmo com alterações legais. A título de exemplo, o Observatório da Discriminação em função da Orientação Sexual e Identidade de Género, elaborado pela ILGA, registou em Portugal, no ano passado, mais de 400 denúncias de crimes contra lésbicas, gays, bissexuais ou pessoas transgénero e transexuais, de insultos e ameaças, passando pela violência psicológica e agressões físicas. O dia 17 de Maio, data da alteração feita pela OMS, continua, por isso, a ser assinalado como o Dia Mundial de Luta Contra a Homofobia e Transfobia.
E a discriminação faz-se também na história, segundo Larry Kramer. O premiado dramaturgo e argumentista e activista dos direitos LGBT é o autor do livro que está a dividir os Estados Unidos. “The American People Vol. 1: Search for My Heart” lança teorias sobre a real orientação sexual de figuras históricas como George Washington e Abraham Lincoln, Mark Twain ou Herman Melville, numa tentativa de trazer à tona aquilo que, na perspectiva do escritor, a história oficial não tem querido contar: a homossexualidade.
O livro é apresentado como um romance – rótulo atribuído por razões legais, de acordo com o “New York Times” –, mas o autor diz que não o considera ficção. À mesma publicação, Kramer afirma que a obra, que lhe levou quase 40 anos a fazer, acaba por ter, para si, o mérito de abordar a exclusão da homossexualidade na História. “A maioria foi escrita por pessoas heterossexuais. Nunca foi escrito um livro de História em que os gays fossem referidos, desde o início. É ridículo pensar que não existíamos antes”, sustenta.
Parte dos críticos (investigadores incluídos) de “The American People Vol. 1” defendem que o livro de 800 páginas carece de fundamentação histórica que determine, com certeza, que algumas das figuras citadas eram homossexuais não assumidos. Contudo, há quem também sublinhe que o principal contributo do livro está no facto de lançar a discussão em torno do tema. Cronologicamente, dizem alguns, tende-se a recuar até Oscar Wilde, e não mais atrás do que isso, nas referências a figuras históricas homossexuais.
No primeiro volume, “The American People” vai da fase pré-colombiana à Segunda Guerra Mundial, passando pelos puritanos, pela revolução americana e pela guerra civil. Kramer, co-fundador da organização de combate à sida Gay Men’s Health Crisis, também usa o livro para falar do vírus que, na obra, se vai revelando vários séculos antes de ser descoberto. O primeiro volume refere, a par da sífilis e da hepatite, uma doença obscura que só adquire o nome de sida no segundo volume, a sair em 2017, que traz a história até ao presente. E este, para Kramer – também autor de “Faggots” (2000) –, faz-se lembrando séculos de ostracismo, ódio, perseguições e marginalização. Como diz, citado pelo “Guardian”, “é óptimo que nos possamos casar, mas isso é pouco comparado com o que não temos, que é a igualdade”.