Os segredos de um vídeo


O vídeo aterroriza. Lembra o “Secret Story”, que teve o dobro dos candidatos que o ensino superior. Na Figueira da Foz há duas adolescentes prontas para o casting.


Vi, com cuidado, o vídeo da agressão na Figueira da Foz, e confesso que fiquei perplexa. Ao contrário do filme das agressões junto do Colombo, há quatro anos, aqui parece estar subjacente uma aposta, um ritual, um ajuste de contas. Para dizer a verdade, senti-me a fazer um zapping do “Secret Story”.

Não quero, de forma alguma, subestimar nem a gravidade nem a violência que existe neste filme de 13 longos minutos, da mesma forma que não subestimo a dos reality shows, em que vale tudo, ou quase, quase tudo, em prime time e com audiências imbatíveis. Mas sinto, sinceramente, que é altura de pensarmos os modelos que os pais elegem, e os miúdos tentam afincadamente imitar. Afinal, foram cerca de cem mil os candidatos ao “Secret Story” 2014 – mais do dobro dos que pretenderam entrar na universidade.

Bem podemos reflectir sobre estes modelos de “mulheres de sucesso” que os nossos adolescentes recebem: mulheres que fazem uso do corpo para atingir os seus objectivos, falam aos palavrões e disputam o poder aos homens usando a tradicional arma masculina, a força — “Luta pelo Poder” era o título do mais recente reality show. Aqui, a estrela deste vídeo dá ordens, decide quando a agressão começa e acaba e, como líder de um qualquer gangue, manda (e é obedecida).

Mas é o comportamento do rapaz que nos deixa mais surpreendidos. Ou está profundamente deprimido, aterrorizado por experiências anteriores deste tipo, ou há que explicar aquelas mãos atrás das costas ou nos bolsos enquanto é esbofeteado, a passividade que não o leva nem a defender-se, nem a implorar, nem tão-pouco a tentar fugir.

Só a investigação poderá ajudar a entender o que se passou aqui, mas aquilo de que estou certa é que toda a mediatização em redor deste adolescente só pode agravar o seu estado psicológico, tenha tudo começado por ser um ajuste de contas de alguma traição ou namoro desavindo ( “Fiz-te mal, tens toda a razão, bate-me!”), seja ele, de facto, uma vítima de bullying “tradicional” que, agora, o mundo viu não só “apanhar”, como apanhar de mulheres! Depois de um movimento inicial de solidariedade, a síndrome do mundo justo, com uma dupla vitimização, já entrou em funcionamento, e todos os adolescentes deste país, do sexo feminino ou masculino, vão distanciar-se da vítima: “Se fosse eu, reagia e fazia-a engolir os dentes todos”, é o mais suave dos comentários que se lêem e ouvem.

Quanto aos que assistem sem fazer nada, são, de facto, os que mais nos devem preocupar. Aqui ou em qualquer outro lugar, são maioria e, eventualmente, os mais parecidos connosco. Como resumia Einstein, “O mundo não será destruído por aqueles que fazem o mal, mas por aqueles que assistem sem fazer nada”. E ser capaz de reagir perante a injustiça, defende o famoso psicólogo Phil Zimbardo, não é um atributo de super-homens ou de heróis, mas uma aprendizagem que a escola e os pais podem e devem incentivar (www.heroicimagination.org). Porque não tenha dúvidas de que bastava uma voz convictamente dissonante naquela tarde de Junho para que o desfecho do vídeo tivesse sido diferente.

Jornalista e escritora
Escreve ao sábado

Os segredos de um vídeo


O vídeo aterroriza. Lembra o “Secret Story”, que teve o dobro dos candidatos que o ensino superior. Na Figueira da Foz há duas adolescentes prontas para o casting.


Vi, com cuidado, o vídeo da agressão na Figueira da Foz, e confesso que fiquei perplexa. Ao contrário do filme das agressões junto do Colombo, há quatro anos, aqui parece estar subjacente uma aposta, um ritual, um ajuste de contas. Para dizer a verdade, senti-me a fazer um zapping do “Secret Story”.

Não quero, de forma alguma, subestimar nem a gravidade nem a violência que existe neste filme de 13 longos minutos, da mesma forma que não subestimo a dos reality shows, em que vale tudo, ou quase, quase tudo, em prime time e com audiências imbatíveis. Mas sinto, sinceramente, que é altura de pensarmos os modelos que os pais elegem, e os miúdos tentam afincadamente imitar. Afinal, foram cerca de cem mil os candidatos ao “Secret Story” 2014 – mais do dobro dos que pretenderam entrar na universidade.

Bem podemos reflectir sobre estes modelos de “mulheres de sucesso” que os nossos adolescentes recebem: mulheres que fazem uso do corpo para atingir os seus objectivos, falam aos palavrões e disputam o poder aos homens usando a tradicional arma masculina, a força — “Luta pelo Poder” era o título do mais recente reality show. Aqui, a estrela deste vídeo dá ordens, decide quando a agressão começa e acaba e, como líder de um qualquer gangue, manda (e é obedecida).

Mas é o comportamento do rapaz que nos deixa mais surpreendidos. Ou está profundamente deprimido, aterrorizado por experiências anteriores deste tipo, ou há que explicar aquelas mãos atrás das costas ou nos bolsos enquanto é esbofeteado, a passividade que não o leva nem a defender-se, nem a implorar, nem tão-pouco a tentar fugir.

Só a investigação poderá ajudar a entender o que se passou aqui, mas aquilo de que estou certa é que toda a mediatização em redor deste adolescente só pode agravar o seu estado psicológico, tenha tudo começado por ser um ajuste de contas de alguma traição ou namoro desavindo ( “Fiz-te mal, tens toda a razão, bate-me!”), seja ele, de facto, uma vítima de bullying “tradicional” que, agora, o mundo viu não só “apanhar”, como apanhar de mulheres! Depois de um movimento inicial de solidariedade, a síndrome do mundo justo, com uma dupla vitimização, já entrou em funcionamento, e todos os adolescentes deste país, do sexo feminino ou masculino, vão distanciar-se da vítima: “Se fosse eu, reagia e fazia-a engolir os dentes todos”, é o mais suave dos comentários que se lêem e ouvem.

Quanto aos que assistem sem fazer nada, são, de facto, os que mais nos devem preocupar. Aqui ou em qualquer outro lugar, são maioria e, eventualmente, os mais parecidos connosco. Como resumia Einstein, “O mundo não será destruído por aqueles que fazem o mal, mas por aqueles que assistem sem fazer nada”. E ser capaz de reagir perante a injustiça, defende o famoso psicólogo Phil Zimbardo, não é um atributo de super-homens ou de heróis, mas uma aprendizagem que a escola e os pais podem e devem incentivar (www.heroicimagination.org). Porque não tenha dúvidas de que bastava uma voz convictamente dissonante naquela tarde de Junho para que o desfecho do vídeo tivesse sido diferente.

Jornalista e escritora
Escreve ao sábado