Suor, lágrimas, dietas e comprimidos. Tudo pelo corpo perfeito

Suor, lágrimas, dietas e comprimidos. Tudo pelo corpo perfeito


O i mostra-lhe “a arte de esculpir o próprio corpo através do desporto”.


Quem de repente entrasse no Pavilhão Municipal de Santo Tirso no passado fim-de-semana, sem saber ao que ia, decerto ficaria espantado não só pelo elevado índice de músculos por metro quadrado, mas também pelo tom da pele bronzeada de aproximadamente duzentos atletas de fisiculturismo. O Verão ainda está aí à porta, mas ali parece que chegou mais cedo. Nos bastidores da prova, todos os corpos vão sendo pintados com uma tinta que escurece a pele, fazendo sobressair todos os músculos. Um pormenor que mais tarde será avaliado pelo júri no momento de escolher os corpos perfeitos em competição.

Uma cor fraca e demasiado clara ou um tom exageradamente escuro pode comprometer o concorrente. No meio está pois a virtude. Não é preciso lermos a prescrição médica para perceber que o seu uso terá contra-indicações. Joana Guedes, amiga de um concorrente, diz com um sorriso cúmplice: “Utilizar isto em excesso aumenta o apetite sexual. Por outro lado, reduz a vontade de comer. Recomendo vivamente.”

A competição inicia-se com a classe Bikini Fitness. Esqueça a ideia preconcebida sobre os corpos das mulheres culturistas. Isso é só para mais tarde. Nesta categoria são “corpos de Verão” em disputa, mulheres que trabalham os seus corpos de uma maneira mais moderada, mas com elevado rigor. Silvina Resende, 23 anos, a campeã na classe de menos 1,63 m, está eufórica no final da prova: “O meu objectivo era brilhar e consegui. Comecei a praticar isto há dois anos, depois de vários problemas a nível pessoal. Foi a forma que arranjei para deitar tudo cá para fora.” Por entre as saudações que vai recebendo, orgulhosa com a taça na mão, acrescenta: “Isto é um desporto que exige muitos sacrifícios, tanto ao nível do treino, como da alimentação. Mas quando me olho ao espelho e vejo o resultado final, sinto que valeu a pena. Hoje ainda mais.”

A competição vai-se desenrolando, categoria após categoria. O presidente do júri ordena às participantes para se virarem para a esquerda, depois para a direita, finalmente de costas. Os músculos têm de ser realçados em qualquer posição. É para isso que aqui estamos. Quando os jurados têm dúvidas, avançam só algumas das participantes. O público vai rejubilando. Teresa Coelho, de 58 anos, veio assistir à prova da filha. “Olhe, eu até gosto que ela faça isto e sei que não é como as outras, que não olham a meios para atingir aqueles corpinhos. Mas a minha menina é nutricionista e não se mete em aventuras. Há limites para tudo.” Sempre que pode, faz questão de estar presente nas provas onde a filha compete. Acha piada ver tantos corpos em exibição. Homens e mulheres. “Gosto de os ver, claro. Que mulher não gosta? Mas não daqueles muito batatas, em que é só músculo.” Ao lado uma amiga lança-lhe a provocação: “Ainda bem que o teu marido não está aqui para te ouvir!” Teresa não a deixa sem resposta: “Ah, esse só quer é estar no sofá”, conta entre risos.

Engane-se quem ainda acredita que um homem não chora. Nem aqui, onde as compleições físicas masculinas impressionam qualquer um. Cláudio Santos, atleta há vários anos, decidiu lançar um desafio à namorada para participar pela primeira vez na classe de Body Fitness. Ela aceitou. “Foram muitos sacrifícios partilhados, muitas horas de treino, uma dieta rigorosíssima”, conta Sandra Nogueira, de 27 anos. Ficou em segundo lugar na sua estreia, para satisfação e orgulho do companheiro. À saída do palco, Cláudio abraça-a e carrega-a pelos corredores fora, numa emoção desmedida. “Isto representa muito para nós, lutámos muito por este momento”, diz enquanto vai secando as lágrimas que teimam em escorrer-lhe pela cara. Não percebe quem diz que este desporto retira sensualidade às mulheres. “Detesto ver mulheres com celulite. Para mim este é o conceito de beleza feminina”, refere olhando para a namorada.

No final da tarde será a sua vez de entrar em prova. Veterano nos campeonatos nacionais, sabe o que é preciso para vencer. “Muito esforço, mas não só. Este é o único desporto que conheço em que não há hipocrisias. Sabe porquê? Porque aqui todos tomam substâncias estimulantes. Todos! Quem lhe disser o contrário está a mentir”, afirma Cláudio. “É que aqui não há controlos antidoping e qualquer um toma o que quer. Assim é mais justo, fica tudo às claras, porque todos procuram resultados imediatos.”

Numa sala contígua ao recinto principal, todos os atletas vão aquecendo com pesos e cordas. Dali a pouco é hora de entrar em cena e todos querem estimular ao máximo os músculos do corpo. “É isso que mais me atrai no culturismo: a adrenalina de estar ali em cima, a tentar provar que o meu corpo é mais completo que o dos outros”, conta André Alves, de 25 anos. Acabou por ficar pela segunda vez consecutiva em segundo lugar na categoria de Men’s Physique, mas no fundo já estava à espera. “O meu rival é sempre o mesmo. Pela simetria, pelo desenho muscular, ou por uma questão genética, ele ganha sempre.” Confessa que as mulheres se sentem atraídas pelas suas curvas, mas não é por isso que faz musculação há nove anos. “É a busca da perfeição”, explica.

No balneário, já pintada com o tom bronzeado da praxe, Mónica Duarte tenta concentrar-se no meio de outras atletas. Tem 38 anos mas só começou a praticar fisiculturismo há dois. Seduzida pela cantora Madonna, sentiu que era hora de extrair do seu próprio corpo o máximo de linhas musculares. “Ela representa na íntegra o meu sentido de beleza. Sempre gostei de ver uma mulher musculada, mas ela é top.” Enquanto vai passando o batom pelos lábios, Mónica mostra a sua revolta pelos comentários de quem está a leste do que é o culturismo. “Muitas vezes criticam-nos porque vamos ao limite, mas quem nos critica está sentado no sofá a beber cerveja e a ver futebol.” Desdenha quem compara os corpos femininos musculados ao género masculino, mas levanta a ponta do véu a quem a observa em competição, apenas em fato de banho: “Este é o meu corpo em on; em off sou muito mais roliça.”

No palco principal é o momento da última prova masculina. Corpos que fazem lembrar Stallone e Schwarzenegger, autênticos porteiros de discoteca. Alguns, mais vocacionados para a dança, transportam-nos para bares de striptease. Mas um atleta destaca-se na prova. De repente todos os olhares se dirigem para o número 151. Antes que desmaie em palco, é prontamente amparado por um colega e mais tarde por membros da organização. Uns goles numa bebida energética depois, lá consegue descer pelo próprio pé.

“Isto é frequente nestas provas”, refere Helena Dinis, de 62 anos, funcionária da Câmara de Santo Tirso. “Quando a cabeça não tem juízo, o corpo é que paga. Eu bem sei o que eles tomam. Depois sabe o que acontece? Querem ter filhos e não conseguem.”

Para o fim ficou guardado o momento mais romântico do fim-de-semana. Depois da sua exibição individual, um dos atletas chamou a namorada ao palco para ao vivo e a cores a pedir em casamento. Joelhos no chão, mãos entrelaçadas e um anel para registar o “sim” da noiva. Músculos de ferro, coração de manteiga. O amor é lindo.