As alterações à lei de consumo de tabaco causaram polémica. O CDS chegou a fincar o pé para defender limites à intervenção doEstado nas liberdades individuais. Mas a poeira assentou e o diploma do governo acaba a merecer consenso geral – mais tímido para uns partidos do que para outros.
O diploma que hoje é discutido e votado na generalidade parte da directiva comunitária para apertar mais o cerco aos fumadores. As principais restrições só deverão entrar em vigor em 2020. É a primeira alteração à lei em quase oito anos de vigência. Em 2007, a discussão chegou ao plenário pela mão do governo socialista e foi aprovada, além do PS, pelos votos do PSD, PCP e Verdes. Só os centristas e o Bloco de Esquerda se abstiveram e, entre os 230 deputados, apenas cinco votaram contra: três do CDS e dois do MPT (eleitos pelas listas do PSD). Desta vez, a maioria optou por somar votos para aprovar um diploma que a oposição quer ver “aperfeiçoado” em sede de especialidade. E Hélder Amaral – um dos deputados centristas que então votou contra o texto – opta agora pela abstenção, com uma reserva: “A lei não devia fechar a porta a que um qualquer empresário fumador possa abrir um espaço”, explica o centrista. É esse pormenor que quer também ver esclarecido na discussão que se seguirá.
Mas nem sempre a posição do partido foi tão pacífica. Na verdade, em 2012, quando o secretário de Estado da Saúde, Fernando Leal da Costa, começou a tentar dar o segundo passo no combate ao consumo, alguns centristas cerraram os dentes. “Estas propostas podem ter muito interesse mediático, mas na saúde há coisas muito mais importantes para tratar do que abrir polémicas e invadir esferas como o direito à propriedade e a liberdade”, sublinhou o então porta-voz do partido e actual secretário de Estado da Administração Interna, João Almeida. Discutir opções mais restritivas não fazia sentido, dizia. “Não cabe ao Estado determinar se as pessoas fazem ou não fazem o quer que seja dentro de restaurantes, casas ou carros”, acrescentava o deputado, quando se debatia a possibilidade de o fumo poder vir a ficar excluído até dos carros particulares.
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Muito caminho foi feito desde então. E residirá nesse avanço a explicação para a actual sintonia. “O grupo parlamentar está confortável com a lei”, explica agora Hélder Amaral.
Reservas conciliáveis José Junqueiro lembra que este caminho começou a ser trilhado pelo governo de José Sócrates. E o passo de hoje não se desvia desse rumo inicial, ao pretender-se agora “evitar que os não fumadores se iniciem no consumo e ao contribuir para que os fumadores possam deixar de sê-lo”.
Está tudo bem para o PS? Não, mas quase. “Há questões que queremos alterar”, e que passam por mudanças cirúrgicas ao diploma, mas também pela própria “filosofia” do combate ao consumo. Nomeadamente numa das questões mais sensíveis, a das imagens-choque a imprimir em cada maço de tabaco. A própria proposta de lei traz seis páginas inteiramente dedicadas a exemplificar de que se fala: há imagens de pulmões negros pelo efeito do consumo de tabaco, dentes apodrecidos. E frases a acompanhar: “fumar pode matar o seu filho antes de ele nascer” (sim, está lá a fotografia de um recém-nascido ligado às máquinas numa incubadora), “fumar provoca nove em cada 10 cancros do pulmão” e por aí adiante. Demasiado gratuito, dizem alguns.
“A lei é equilibrada, moderada”, mas “as imagens utilizadas podem configurar uma banalização do problema”, alerta José Junqueiro (PS). O Bloco pensa o mesmo. “Temos a convicção de que as imagens são contraditórias ao efeito persuasor que se pretende alcançar”, refere Helena Pinto. A deputada também recorre aos números para abrir o âmbito da discussão: a lei é de 2009 e o melhor que se conseguiu foi reduzir o consumo de tabaco em 5%, lembra Helena Pinto. É, por isso, importante perceber o que está a falhar na estratégia e não limitar a discussão à proibição de fumar em espaços fechados.
O foco nos cigarros electrónicos é outro problema. As restrições em espaços fechados são extensíveis aos aparelhos para vaporizar nicotina. E é o próprio PSD a questionar:“Como podem as autoridades de fiscalização estabelecer que determinado cigarro electrónico tem ou não tem nicotina?”, pergunta Miguel Santos.
As questões são muitas. Mas são de pormenor, dizem os partidos.