Coloque-se o relógio a trabalhar que, ainda assim, há coisas imutáveis que tendem a ignorar os ponteiros e a dizer às horas que serão sempre minutos. Anos, melhor pensando, mesmo séculos, que nos obrigam a dizer que – quer estejamos numa instalação contemporânea de árdua percepção ou perante um vitral numa qualquer igreja matriz – quem sai aos seus não degenera.
Josefa de Ayala, que ficaria conhecida como Josefa de Óbidos, nasceu em Sevilha em 1630. Filha do pintor português, natural de Óbidos, Baltazar Gomes Figueira, um dos grandes precursores portugueses do estilo natureza-morta. Como se não chegasse, era afilhada do pintor espanhol Francisco de Herrera, ou O Velho, e foi influenciada por outros artistas que percorriam o círculo íntimo do pai, como Francisco de Zurbarán. Com mais de 130 obras que se estendem ao longo de oito núcleos, esta é uma exposição que une duas variáveis indissociáveis: Josefa de Óbidos e o barroco nacional. Para ver de amanhã a 6 de Setembro no Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA).
E se estamos em territórios ibéricos, convém contextualizar. Josefa vem para Óbidos em 1634, a seis anos de os Filipes irem à vida deles e de Portugal retomar a sua soberania. Chega à boleia do pai, que decide trazer a família para a vila natal. Laços que se viriam a tornar intrínsecos demais, sobretudo quando, durante um largo período, a obra de Baltazar Gomes Figueira foi confundida com a da filha. Embora hoje a distinção seja clara, o tratamento dos mesmos temas, a natureza-morta, a religião, o facto de Josefa ter percorrido desde cedo os corredores do ateliê do pai tornavam a visão turva.
Chegamos a 2015 com dois artistas distintos, ainda que com muita partilha de técnicas e gostos. Mais importante: a última exposição sobre Josefa de Óbidos em Portugal tem data de 1991. “O MNAA tinha feito uma grande exposição sobre Josefa de Óbidos em 1949. Depois dessa, a exposição marcante sobre a pintora foi feita em 1991, na Galeria da Ajuda. Já passou quase um quarto de século e muita coisa mudou na historiografia portuguesa. Pareceu-nos que era a altura de voltar a mostrar a obra da pintora”, conta Joaquim Oliveira Caetano, um dos comissários da exposição, a par de José Alberto Seabra Carvalho e de Anísio Franco.
A esta questão temporal, que exige um update ao que até aqui se conhecia de Josefa de Óbidos, junta-se também o facto de não ser muito fácil encontrar obras da artista por essas galerias fora. “A maior parte da sua obra está em colecções particulares e isso faz com que possa passar mais de uma geração sem que as pessoas tenham a oportunidade de ver um conjunto significativo do património português”, diz o comissário.
“Josefa de Óbidos e a Invenção do Barroco Português” foca-se sobretudo na importância da artista enquanto elemento ligado a esta linguagem, mas também no caminho que o barroco seguiu depois da restauração da independência. No MNAA, a experiência faz-se por oito núcleos que resumem a vida de uma artista e, consequentemente, de um movimento – ou vice-versa. Percurso que se inicia com “Josefa em Óbidos”, onde se abordam as primeiras pinceladas e uma precocidade bastante rara, com tempo para passar pelo “Sentido e Formas do Barroco Português”, entre outros capítulos.
É o mesmo Joaquim Oliveira Caetano que nos confirma sem rodeios uma das pretensões da exposição, a de querer acabar com o preconceito que existe em torno de Josefa e que sempre levou muita gente a considerá-la uma artista provinciana e beata. “Sim, penso que ainda é bastante actual. Sempre houve em seu torno a ideia de que era mais a figura, uma componente que a tornava engraçada, mais do que estarmos na presença de uma grande pintora. Esta exposição vem contrariar tudo isso.”
É inaugurada hoje e abre ao público amanhã. Até 6 de Setembro. Bilhetes a seis euros