PARA BELLUM
Protestos, livros, poemas, sacrifícios,
a história analisada e desmascarada: a paz
e não a guerra desde sempre a guerra.
É velho tudo isto. Há malandros
para ganhar com as guerras, há patriotas
para mandar os outros morrer nelas, há
heróis ou não heróis que morrem nelas,
há multidões para serem massacradas.
Eu protesto, tu protestas, ele protesta, etc.
E nada muda, ou muda para mais.
Antigamente, os faraós ao contar os mortos inimigos
(nunca os próprios mortos) exageravam – evidente.
Hoje, os comunicados cometem sempre esse exagero
(e a mesma distracção discreta). Mas há sempre
humanidade com vocação para matar e multidões
com vocação vacum para cadáver.
E neste cheiro a podre milenário – vale a pena
sequer dizer que são filhos da puta?
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LISBOA – 1971
O chofer de táxi queixava-se da vida.
Ganha 400$00 por semana, o patrão conta
que ele se arranje do a mais com as gorjetas.
Os meus amigos morrem de cancro,
de tédio, de páginas literárias,
vi um rapaz sem as duas mãos que perdeu
na guerra (e o ortopedista ria-se de que ele
só queria por enquanto “calçar” uma das
que, artificiais, lhe preparou tão róseas).
As pessoas esperam com raiva surda e muita paciência
o autocarro, aumento de ordenado, a chegada
do Paracleto, bolsas da sopa do convento.
Mas o chofer do táxi contou-me que
discutira com um asno e lhe dissera:
“…V. que nesse tempo ainda andava a fugir
de colhão para colhão do seu pai
para ver se escapava a ser filho da puta…”
E é isto: andam de colhão para colhão
a ver se escapam — e muitos não escapam.
E os outros não escapam aos que não escaparam.
Post-Scriptum
Não sou daqueles cujos ossos se guardam,
nem sequer sou dos que os vindouros lamentam
não hajam sido guardados a tempo de ser ossos.
Igualmente não sou dos que serão estandartes
em lutas de sangue ou de palavras,
por uns odiados quanto me amem outros.
Não sou sequer dos que são voz de encanto,
ciciando na penumbra ao jovem solitário,
a beleza vaga que em seus sonhos houver.
Nem serei ao menos consolação dos tristes,
dos humilhados, dos que fervem raivas
de uma vida inteira pouco a pouco traída.
Não, não serei nada do que fica ou serve,
e morrerei, quando morrer, comigo.
Só muito a medo, a horas mortas, me lerá,
de todos e de si se disfarçando,
curioso, aquel’ que aceita suspeitar
quanto mesmo a poesia ainda é disfarce da vida.