Maioria quase absoluta. Assim foi aprovado pela Câmara dos Representantes um projecto de lei para limitar largamente as operações de espionagem ilegal que a NSAtinha em marcha secretamente até o norte-americano Edward Snowden as revelar a partir de Hong Kong e, mais tarde, de Moscovo, há dois anos.
A aprovação da medida pela câmara baixa do Congresso norte-americano vem agravar ainda mais as cisões com o Senado, actualmente de maioria republicana, que se opõe às limitações impostas à agência secreta. Isto acontece numa altura em que o Congresso pondera votar uma extensão do programa de recolha de dados e metadados telefónicos de milhões de norte-americanos sob o argumento da segurança nacional.
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O líder da minoria democrata no Senado, Harry Reid, já fez saber que vai bloquear a extensão do programa a menos que este seja revisto e limitado. É isso que a proposta aprovada na Câmara dos Representantes, na quarta-feira, pretende fazer. Nela é sugerido que a NSA passe a poder gravar e guardar os registos telefónicos apenas e só se obtiver uma ordem de um tribunal federal, sob suspeita de o indivíduo em causa estar envolvido em actividades terroristas no estrangeiro. Os legisladores da câmara baixa tinham esperança de que a aprovação da medida, com 338 votos a favor e 88 contra, alumiasse uma alteração de postura da maioria republicana do Senado. Mas ao longo do dia de ontem, em reacções oficiais e oficiosas à votação, ficou patente que esse consenso poderá ser muito difícil de alcançar.
Se fosse implementado, oprojecto de lei, baptizado USA Freedom Act, passaria a proibir a NSAde coleccionar informações em massa sobre quem telefona a quem e a duração das conversações, uma prática que a agência aplica desde, pelo menos, 2006, mas que só em 2013 foi tornada pública, quando o seu ex-consultor Edward Snowden fugiu com essas e outras informações secretas da agência para Hong Kong, a fim de poder torná-las públicas e gerar um debate sobre as práticas de vigilância e espionagem ilegais que a NSA tem em marcha. Para substituir o actual programa de recolha de dados telefónicos, o projecto de lei sugere que seja criado um novo sistema em que a NSA é forçada a pedir uma ordem judicial no caso de suspeitar de um ou mais norte-americanos que possam estar envolvidos em práticas terroristas. A medida também prevê que a agência seja obrigada a ser mais transparente quanto aos programas que cria e aplica a nível federal, bem como em investigações de segurança nacional. Exige ainda que o Tribunal de Vigilância das Agências Secretas no Estrangeiro, cuja existência foi mantida secreta durante vários anos e cuja actividade continua por escrutinar, passe a disponibilizar mais decisões e opiniões em matéria de segurança.
“O programa actual da NSAé ilegal e tem como base uma gritante interpretação errónea da lei”, declarou ontem James Sensenbrenner, membro da Câmara dos Representantes pelo estado do Wisconsin, que ajudou a preparar o projecto de lei votado na quarta-feira. Sensenbrenner acusa os republicanos de quererem reautorizar um programa que “cria ruído e dissemina o medo”.
Desde que Snowden tornou este programa público, membros e ex-membros de vários braços das autoridades americanas têm defendido que a NSA apenas use as informações recolhidas nos esforços das agências secretas para garantir a segurança nacional e só depois de ter autorização específica do tribunal de vigilância, cuja actividade continua a ser, em grande parte, secreta.
Um tribunal federal de recursos ditou na semana passada que o actual Patriot Act, da forma como está estruturado, não autoriza a recolha em massa de registos telefónicos, o que reforça ainda mais os que defendem que o programa de vigilância é ilegal.
Na votação de quarta-feira, a ala libertária do Partido Republicano, bem representada na câmara baixa do Congresso, alinhou com os democratas na aprovação da reforma dos procedimentos da NSA. Mas senadores do partido da oposição, muitos deles com interesses e ligações ao Departamento de Defesa, mantêm que vão vetar a proposta quando esta chegar à câmara alta, a 1 de Junho. O senador Mitch McConnell, líder da maioria republicana, continua a repetir que a medida aprovada pelos representantes é perigosa, porque pode limitar o acesso das agências secretas a informações preciosas sobre futuros ataques terroristas. Ontem voltou a repetir que vai votar contra a medida.