O impacto das urnas inglesas


A vitória dos conservadores no Reino Unido não veio no melhor momento para a estratégia de António Costa


Tal como o Syriza não é repetível em Portugal, a vitória maioritária do Conservative Party no Reino Unido não é o farol que deve nortear as ponderações sobre o processo eleitoral em curso para as nossas legislativas, nem dela se devem tirar ilações absolutas para qualquer dos blocos em confronto. Porém, o excesso de análise sobre a putativa “revolução” grega não pode ser compensado agora pela deficiência de reflexão sobre a inesperada conquista de David Cameron. Para além da aparente falência dos estudos de opinião e da confiança que ela inspira em quem corre de trás para a frente no trilho do “empate técnico”, há, de facto, mais similitudes com o nosso percurso do que porventura com qualquer outro.

Esse facto merece atenção. Acima de tudo, pela influência: é razoável afirmar que Passos Coelho, na sua persistência e convicção no caminho de austeridade social, severidade orçamental e revisão do peso do Estado (imposto pela troika e consolidado no nosso Conselho de Ministros), seguiu, no essencial, a linha política de Cameron. Uma linha que se apartou de escolhas ideológicas de base e apostou no pragmatismo da sustentação após o reequilíbrio financeiro. Uma prática que confiou que a economia não pode ser mais asfixiada pelos constrangimentos de pagamento dos empreendimentos públicos. Uma estratégia que se fundou na reconversão do tecido empresarial (por cá, motivado em grande medida pela filosofia da subvenção estatal) e na abertura a novos sectores de crescimento, de criação de emprego e de aprumo (e, depois, ascensão a saldo) na balança que compara exportações e importações. Ainda que sem comparações fiáveis de pessoas, empresas e instituições entre dois países bem distantes (a começar pelo dinamismo privado genético dos ingleses), a superação de Cameron nas urnas não pode deixar de conferir um alento à forma como Passos e Portas se apresentam aos eleitores na sua mensagem de cativação do eleitor indeciso – o caminho foi duro, mas valeu a pena e é para continuar.

Daí ao subliminar nervosismo do Partido Socialista vai um passo curto. A informação é global e a extensão da conquista do Conservative (e da queda do Labour Party e de um líder com legítimas expectativas de protagonizar a mudança de ciclo) segue de boca em boca, nomeadamente entre aqueles que não abrem a boca para admitir que vão votar nos arautos da “austeridade” nem para exorcizar o receio de voltar a 2011. O contágio da vitória de Cameron estará no domínio do voto nacional mais simples: foi pesado, mas fez-se o que se tinha a fazer; a economia recupera; o que se perdeu não se ganha de um dia para o outro, mas pode ser repristinado; voltar para outro modelo (tendencialmente despesista) pode não valer a pena; na dúvida, conceda-se o prolongamento. É neste raciocínio básico (longe dos estudos de Mário Centeno) que está o risco “sistémico” de António Costa quanto está em plena fase de sedução junto do “centro” e da classe média. A surpresa dos conservadores ingleses não veio, portanto, no melhor momento.

Além disso, Cameron ganhou ao trabalhista Miliband na credibilidade e na responsabilidade. Quando este negou o passado e avançou que o Labour não tinha sido um governo despesista, o desastre estava anunciado. Se Costa cometer um erro análogo na defesa dos governos de Sócrates, o resultado não será diferente. Acresce que Passos acredita sinceramente que não mudar de discurso e não ceder no rumo será frutífero na hora da verdade. Como Cameron fez. Como reagir a esta estratégia é o desafio final do PS.

Professor de Direito da Universidade de Coimbra. Jurisconsulto.
Escreve à quinta-feira

O impacto das urnas inglesas


A vitória dos conservadores no Reino Unido não veio no melhor momento para a estratégia de António Costa


Tal como o Syriza não é repetível em Portugal, a vitória maioritária do Conservative Party no Reino Unido não é o farol que deve nortear as ponderações sobre o processo eleitoral em curso para as nossas legislativas, nem dela se devem tirar ilações absolutas para qualquer dos blocos em confronto. Porém, o excesso de análise sobre a putativa “revolução” grega não pode ser compensado agora pela deficiência de reflexão sobre a inesperada conquista de David Cameron. Para além da aparente falência dos estudos de opinião e da confiança que ela inspira em quem corre de trás para a frente no trilho do “empate técnico”, há, de facto, mais similitudes com o nosso percurso do que porventura com qualquer outro.

Esse facto merece atenção. Acima de tudo, pela influência: é razoável afirmar que Passos Coelho, na sua persistência e convicção no caminho de austeridade social, severidade orçamental e revisão do peso do Estado (imposto pela troika e consolidado no nosso Conselho de Ministros), seguiu, no essencial, a linha política de Cameron. Uma linha que se apartou de escolhas ideológicas de base e apostou no pragmatismo da sustentação após o reequilíbrio financeiro. Uma prática que confiou que a economia não pode ser mais asfixiada pelos constrangimentos de pagamento dos empreendimentos públicos. Uma estratégia que se fundou na reconversão do tecido empresarial (por cá, motivado em grande medida pela filosofia da subvenção estatal) e na abertura a novos sectores de crescimento, de criação de emprego e de aprumo (e, depois, ascensão a saldo) na balança que compara exportações e importações. Ainda que sem comparações fiáveis de pessoas, empresas e instituições entre dois países bem distantes (a começar pelo dinamismo privado genético dos ingleses), a superação de Cameron nas urnas não pode deixar de conferir um alento à forma como Passos e Portas se apresentam aos eleitores na sua mensagem de cativação do eleitor indeciso – o caminho foi duro, mas valeu a pena e é para continuar.

Daí ao subliminar nervosismo do Partido Socialista vai um passo curto. A informação é global e a extensão da conquista do Conservative (e da queda do Labour Party e de um líder com legítimas expectativas de protagonizar a mudança de ciclo) segue de boca em boca, nomeadamente entre aqueles que não abrem a boca para admitir que vão votar nos arautos da “austeridade” nem para exorcizar o receio de voltar a 2011. O contágio da vitória de Cameron estará no domínio do voto nacional mais simples: foi pesado, mas fez-se o que se tinha a fazer; a economia recupera; o que se perdeu não se ganha de um dia para o outro, mas pode ser repristinado; voltar para outro modelo (tendencialmente despesista) pode não valer a pena; na dúvida, conceda-se o prolongamento. É neste raciocínio básico (longe dos estudos de Mário Centeno) que está o risco “sistémico” de António Costa quanto está em plena fase de sedução junto do “centro” e da classe média. A surpresa dos conservadores ingleses não veio, portanto, no melhor momento.

Além disso, Cameron ganhou ao trabalhista Miliband na credibilidade e na responsabilidade. Quando este negou o passado e avançou que o Labour não tinha sido um governo despesista, o desastre estava anunciado. Se Costa cometer um erro análogo na defesa dos governos de Sócrates, o resultado não será diferente. Acresce que Passos acredita sinceramente que não mudar de discurso e não ceder no rumo será frutífero na hora da verdade. Como Cameron fez. Como reagir a esta estratégia é o desafio final do PS.

Professor de Direito da Universidade de Coimbra. Jurisconsulto.
Escreve à quinta-feira