Escrever e compor já são para ele um barco salva-vidas que dá sentido e norte aos seus dias. Mas isso não impede que sempre se tenha identificado na voz e nas criações de outros. Momentos da descoberta que se converteram rapidamente em reconhecimento e que traz agora para “Lifeboat”, um disco de versões com canções e autores de uma vida, num reencontro muito pessoal.
“Lifeboat” quase nos remete para a pergunta “se fosse para uma ilha deserta, que discos levava consigo”. Foi com base nessa premissa que fez a selecção dos temas para este disco?
Ao escolher uma canção, estamos a excluir muitas. Seriam dezenas, ou centenas, as canções que podia ter gravado. Eu gosto da imagem do lifeboat [barco salva–vidas] quando ainda não se chegou à ilha sequer. Isto é o meu pão também, orienta-me, dá-me sentido aos dias, às horas. De certa forma, é um quarto interior que habito e ao qual gosto de voltar.
Faz uma releitura muito pessoal dos originais. Como se desenvolveu o processo para tornar suas estas versões?
Envolve algum convívio com as canções. Quando há a descoberta de uma canção, há também um reconhecimento. Por isso, em primeiro lugar, quando se ouve a canção, tem de haver essa identificação. As melhores canções não falam do autor, falam sobre nós. E é disso que gostamos nelas. Fui ver como é que as podia fazer minhas, pesando as palavras um pouco, porque acho que o caminho que o cantor percorre até lhes chegar também repassa.
Diz que queria contar as suas histórias com estas canções. Há quanto tempo dura então esse convívio?
Não sei precisar. O critério não era uma canção evocar um certo momento da minha vida. Apesar de isso acontecer em muitas canções, um dos critérios era elas terem sobrevivido a essa experiência, serem redescobertas, terem mistérios e camadas ainda por desvendar. E, portanto, são canções de vida, não são só canções de um Verão ou de uma viagem. Podem ter sido, mas têm a força de extravasar essas experiências e continuarem com vitalidade.
Há nomes que talvez não associássemos imediatamente a si, como os Bee Gees. Consegue situar esse encontro?
Não sei, porque há canções e depois há autores. Em relação aos Bee Gees, confesso que não conheço bem a discografia, porque é vasta e tem fases com as quais não me identifico muito. A maior parte dos temas que escolhi foi pelos autores. E, pontualmente, uma canção ou outra, como nos Bee Gees. Mas há encontros que me lembro bem da primeira impressão que me causaram.
Por exemplo?
O [Leonard] Cohen. Tinha ouvido em criança, em menino, mas sem critério. Por volta dos 18, 19 anos, ouvi-o e foi a tal descoberta e reconhecimento. Tenho memória de uma canção específica, “The Stranger Song”, que ouvia em loop, uma canção infindável, que continua infindável.
Houve alguma canção que tivesse dado mais luta ou especial trabalho?
Escolhi canções e autores em que, à partida, sabia que ia falhar. Nunca ouvi uma versão superior a uma versão do Cohen, nunca, nem o Jeff Buckley, com aquela voz maravilhosa, ultrapassa o “Hallelujah” original. Também sabia que ia falhar completamente a cantar Chavela Vargas, é um atrevimento, ou no Elvis. Todas as canções tinham, de certa forma, essa premissa de desafio e de me levarem sempre um bocadinho para fora de pé. Não houve nenhuma que sentisse que era fácil; isso acabou por ser um critério para descartar outras.
Procurou uma linha estética que as ligasse. Qual é?
Acho que há uma temática que, de certa forma, liga as canções, uma urgência em todas elas, canções de grandes amores. Depois, a nossa voz é uma construção e é trazer as canções para essa construção, para as nossas limitações, se quiser. E logo aí estamos mais ou menos encaminhados. Não há muita volta a dar [risos].