Há quem o aponte como novo expoente da cena indie brasileira mas, para Castello Branco, a música é uma entre muitas plataformas para comunicar entendimentos e a necessidade de discernimento que o ser humano precisa de adquirir. Viveu 13 anos com a mãe num mosteiro. Hoje é sobretudo um homem de fé, mais do que de uma religião. A sua comunicação é marcada pela espiritualidade, mas o novo disco, a ser gravado no final do ano, vai abarcar também “a outra metade da laranja”. Até lá, é o disco “Serviço” que cumpre a missão de o trazer aos palcos portugueses.
Chamou “Serviço” ao seu disco, que já foi editado há algum tempo. Como é que ele se tem saído desde então?
Este disco me reensinou e relembrou a questão do serviço. Muita coisa começou a acontecer na minha vida e muitas outras comecei a fazer por conta de ter lançado este disco. A diferença do trabalho para o serviço, realmente, é muito importante de ser lembrada, e eu estava numa fase em que estava trabalhando muito e em que precisava de servir mais para que as coisas me sobrecarregassem menos. Quando lancei o disco, comecei a servir mais, a voltar a fazer as coisas mais por amor. Tudo o que aparecia e em que eu sabia que podia ser útil sem esperar nada em troca, eu aceitava. E esse disco não teve um intuito comercial. Não o vendi muito, não fiz edição física nem videoclipe.
“Serviço” remete para um certo significado de missão. Qual então a missão deste trabalho?
Este disco, para mim, era quase aquela coisa de aprovação do filho pela mãe. A minha mãe nunca tinha aprovado muito o que eu fazia na cidade. Ela sempre dizia para eu voltar e sair daquela vida material. Fiz esse disco pensando muito nela, no mosteiro, e querendo oferecê-lo a ela como um presente, como que afirmando que, com ele, posso dizer aquilo que ela me ensinou. A primeira coisa que fiz quando terminei o disco foi mandá-lo para ela, que o aceitou completamente e usou como trilha de um documentário que fez lá. Depois coloquei-o na internet, fizemos a capa, criámos um site. Mas tudo com muito cuidado e tentei dizer em todos os lugares, incluindo no texto do site, a importância do serviço, para não ficar aquela coisa desonesta.
Viveu num mosteiro e o seu disco tem uma aura muito espiritual. Vem daí?
A energia muito forte de querer mostrar à minha mãe o que fiz fez com que eu acabasse resgatando. Acho que a palavra é essa, foi um trabalho de resgate. Isso tudo já existia em mim, mas passei por uma fase no Rio de Janeiro muito difícil de segurar porque a gente sofre muita pressão do materialismo, é preciso se sustentar na cidade, viver segundo as leis daí. E eu trabalhava em cima dessas leis. Nunca fui um radical que quisesse quebrar isso. Sempre quis trabalhar sobre as leis do lugar onde estava. Só que, sem se aperceber, às vezes, a gente se entrega demais. E aí tive de dar uns passinhos atrás para fazer o disco, regressar um pouco ao que vivi, a como fui criado, para que pudesse restaurar essa energia.
É por isso que diz no seu site que no Rio de Janeiro aprendeu a ser inteiro?
É, porque tudo tem a sua importância. Tudo. Não consigo viver uma coisa e não entender a importância dela. Para mim, é uma perda de tempo não entender porque é que uma existência é importante. E no Rio de Janeiro, com tudo isso de que falei, entendi esse outro lado. Era evidente para mim, quando fui para lá, que não tinha nada disso, era como se não estivesse inteiro mesmo. Quando me estabeleci dentro dessas leis do materialismo e de como isso funciona, para mim, isso foi como entender o outro lado da laranja.
E quando compõe procura lugares ligados à espiritualidade, algum refúgio, para fugir a esse materialismo de que fala?
Sim. Mas, na verdade, estou numa onda agora em que estou compondo, em que estou fazendo música para outras pessoas.
Que pessoas?
Fiz música para a filha da Beth Carvalho, a Luana Carvalho, estou fazendo música para a mulher do Chico Buarque e dando música para um monte de gente. Essas músicas que eu tenho feito não têm um cunho tão espiritual. Às vezes falam sobre relacionamentos, por exemplo, mas é lógico que é com a minha visão da coisa. Para mim, é bem claro que esse segundo ciclo, neste caso o meu segundo disco, vai trazer músicas espirituais, mas o contexto geral dele não vai ser só espiritual, vai estar mais equilibrado com a cidade.
E quando planeia lançar esse disco?
Vou parar para gravá-lo no final do ano, no Outono, e, se tudo der certo, pretendo lançá-lo no início do ano que vem.
Voltando a “Serviço”, é um registo que tem muitas influências das raízes musicais brasileiras. O que procurou trazer para o disco?
As canções nasceram ou do meu violão ou na minha voz, a partir da melodia e da letra. O processo foi muito diferente para cada uma, mas ao mesmo tempo não tive a pretensão de catalogá-las como isso ou aquilo. Em nenhuma pensei: “Ah, essa aqui vai ser samba, aquela vai ser isso.” A canção pode ser qualquer coisa, é como um corpo nu que se pode vestir como se quiser. A mim, a música serve de plataforma, porque não sou um músico, sou um comunicador. Já entendi isso. E então vou comunicar-me de diversas formas, na música, no palco, onde misturo muitas coisas, inclusive teatro, ou no livro que terminei de escrever. Independentemente da forma, eu vou-me comunicar. Essa é a minha real necessidade, a música é uma aliada. Gosto, oiço, piro com música, durmo com música às vezes, mas não tenho uma ligação tão emocional com ela. Por isso é que o meu disco tem milhões de ritmos diferentes. Se tivesse uma relação mais emocional, talvez gostasse de um estilo específico, muito mais do que dos outros.
E o que pretende comunicar?
[Risos] Vou tentar resumir isso numa frase. É como se tentasse criar uns óculos porque, na minha visão, é como se realmente o ser humano precisasse de usar óculos em alguns momentos. Sinto que há muita falta de discernimento nas pessoas. E eu tento comunicar discernimento, mais significados do que aquele possível significado que a pessoa tem do que é um sentimento, de uma acção que, às vezes, toma sem pensar. Aliás, sem discernir. A palavra é essa.
Na sua página da internet refere que, quando tinha 18, criou a R.Sigma, “por amor”. Quando saiu “também foi por amor, mas não sabia, tem vezes que a gente não sabe na hora”. Faltava-lhe discernimento?
Sim. Falo que tenho essa necessidade de comunicar o discernimento porque é uma necessidade, não é pretensão. A gente sofre uma pressão de tudo, não tem como acertar sempre. E eu erro demais, erro muito. Mas tenho necessidade de apresentar, inclusive o erro. É aquela coisa de ser honesto de que falava antes. É muito importante. Exponho tudo o que posso expor. É depois do erro que se pode reflectir e retirar discernimentos.
Quando fala em erro quer dizer que não era altura para seguir o seu caminho a solo?
É, errei, no sentido de que eu quis uma coisa que não estava no tempo de querer. Passou o tempo e eu ainda queria. Eu não estava entendendo o universo. Depois desse momento aprendi uma coisa muito importante para a minha vida que agora uso sempre. Se notar, eu não misturo muito a religião no meio disto tudo, falo mais de fé que, para mim, é mais universal.
Já lhe chamaram “novo expoente da cena indie brasileira”. Diz que é grato pelos elogios, mas que sente que está é a fazer o seu papel. Que papel é esse?
Ainda não entendi muito bem esse momento, porque faz parte daquilo que falava, um entendimento novo que adquiri sobre como eu me comunico com o universo e como o universo se comunica comigo. Tudo o que ele me tem apresentado agora é simplesmente viver este momento de uma forma importante. E é o que eu tenho feito, e tem dado certo. Tudo o que eu tenho feito no Brasil que diz respeito a Castello Branco, a energia fica limpa, não trava, eu não tenho obstáculo. A coisa acontece. Em alguns momentos estou simplesmente sendo um instrumento do universo. Eu realmente sinto que o ser humano precisa adquirir muitos entendimentos e tudo o que posso fazer nesse momento é passar os meus adiante, seja nos textos que escrevo, nas músicas ou no palco.
Vem apresentar este disco com uma minidigressão. Li que vai ficar cá, depois, uma semana. Tem planos ou sítios que queira visitar especialmente?
Quero ir a Fátima, porque a minha mãe tem uma ligação muito forte com a Nossa Senhora de Fátima. Por ela, vou tentar ir e quero sentir e ver o que é estar lá. Quero conhecer Portugal, do que der para conhecer. Talvez passar um dia em Lisboa ou conhecer melhor o Porto. Não gosto de passar rápido. Gosto de, pelo menos, andar um pouco como local e pretendo ter isso na cidade do Porto, que me agradou muito.