Precisamos de nos sentir as pessoas mais importantes do mundo para os nossos filhos. Omnipresentes e omnipotentes, segundo o provérbio judeu que diz que porque Deus não podia estar em todo o lado criou as mães!
Anjos-da-guarda, portanto, escolhidas por um deus para criar e amparar, proteger e vigiar as criaturas que damos à luz – que sinal mais poderoso dessa missão poderiam as mães desejar que ver crescer dentro de si um bebé, pondo-o no mundo, perfeito e redondinho, já capaz de tanta coisa? Que a cada dia aumenta de peso na balança graças ao leite da mãe e a selecciona entre todos os outros para um primeiro sorriso que lhe ilumina a cara e os olhos? Um bebé que cresce e revela a sua inteligência, mas sempre tão dependente? Da mãe, claro.
Convenhamos que é um milagre inebriante, e que por muito que a ciência fale de cromossomas X e Y, e garanta que aquela criança tem metade dos cromossomas do pai e metade da mãe, e a sogra jure que é igualzinho ao filho em bebé, as mães sintam que lhes pertence, insuflando de vaidade pelo papel que lhes foi confiado, jurando logo ali que vão dedicar toda a sua vida a proteger aquela criatura e a torná-la feliz.
É claro que as mães disfarçam a omnipotência, e até se fingem dispostas a partilhar a responsabilidade com o pai da criança, e até com os avós, mas, na prática, o máximo que concedem é delegar. Deixam instruções na porta do frigorífico para o dia em que não vão estar em casa; permitem, eureka, que o pai o leve ao pediatra, mas passam-lhe para a mão o papelinho com todas as perguntas que deve fazer; e é claro que concordam que seja ele a vesti-lo e a levá-lo à escola, mas depois ligam para saber como foi, se chorou, se ficou bem, pedindo uma fotografia do telemóvel para comprovar, e à noite repreendem os dedicados esposos por não terem empacotado na mochila o casaquinho de malha, quando a previsão meteorológica bem dizia que ia arrefecer para a tarde.
Ui, e esqueci-me de acrescentar o narcisismo, que vem acoplado a tudo isto. E o medo do juízo das outras mulheres. Vamos lá a isso.
Tão coladinhas estão as mães aos filhos, que de forma mais ou menos consciente acreditam que quem os vê as vê a elas. E que todas as outras mães da cidade, incluindo as suas próprias mães, quando comentam que penteada, ou despenteada, está a criança, ou comentam as notas que teve na escola, estão objectivamente a atribuir à mãe o mérito ou o desmérito equivalente. Não admira assim que o investimento nos filho seja total, até porque a esperança secreta é ser invejada. Encontrar uma mãe que quer ser como nós é mais do que ser condecorada no 10 de Junho!
Depois de tudo isto, o mais extraordinário é que nos espantemos com o sentimento de culpa imenso que nos aflige a toda a hora. Como podíamos não nos sentir culpadas de não estar presentes quando caiu e esfolou um joelho, quando não festejamos com ele o golo no desafio de futebol, quando adormeceu sem nos ver? Como podiam as mãe não sentir a responsabilidade por tudo o que fazem, sentem e pensam? Porque têm pesadelos (será por eu trabalhar tanto?), estão no percentil cinco (não lhe o suficiente de comer?) ou no noventa (o mal foi apresentá-lo ao açúcar) têm os dentes tortos (porque não lhe tirei a chucha mais cedo?!), não se concentram nas aulas (devia ter ido para a escola mais cedo?), são demasiado competitivos (se calhar faltou-lhe tempo para brincar!), e por aí adiante. Aliás, pouco importa enumerar os motivos da culpa, porque ainda não foi inventado um único pelo qual não estejamos dispostas a bater no peito e dizer mea culpa.
Decididamente, como não havíamos de nos sentir culpadas se assumimos a inteira responsabilidade por tudo? E se rejeitamos liminarmente a única forma de evitar a culpa, ou seja, aceitar que não somos, nem podemos ser, omnipotentes e omnipresentes na vida dos nossos filhos? Racionalmente estamos certas de que assim é, mas no fundo do coração nunca capitulamos. Por outras palavras, preferimos pagar o preço da nossa omnipotência. Bom Dia da Mãe.
Jornalista e escritora
Escreve ao sábado