Eram habituais nos prédios, mas se hoje tocarmos à campainha do porteiro ninguém responde. Os que ainda sobrevivem continuam as tarefas de antigamente. Mais do que só limpar as escadas ou tirar o lixo, tornaram-se amigos das famílias que vivem nos apartamentos. Criam-se amizades que já não se reconhecem nas vizinhanças de hoje. Não se sentem dispensados, mas entendem que são um encargo que nem todos os condomínios podem ou estão dispostos a pagar.
Laura Costa tem 69 anos e mais de metade da sua vida foi dedicada ao N.º1 da Rua Dom Pedro de Cristo em Alvalade, Lisboa. Tem orgulho na sua profissão e diz que todos no prédio gostam dela. Os que lá vivem e os que se foram embora: “Não me posso queixar do meu trabalho. Nesta vida de porteira temos de dar atenção aos inquilinos. E manter o respeito”, explica com orgulho. Acompanhou famílias e recorda-se de histórias do passado, desde do dia em que chegou há 42 anos. E da família que aumentou na mesma semana em que começou a trabalhar.
Tal como os porteiros de antigamente, os que ainda resistem moram onde trabalham. No prédio de Laura, a casa da porteira fica no oitavo andar. “O meu horário de serviço são quatro horas, das 9h às 13h”, diz. Sabe bem trabalhar no mesmo local onde vive. “Faço as limpezas e depois atendo todos os que me tocam à campainha”, explica. Antes de ser porteira, Laura Costa foi costureira. “Isso ficou longe, lá no passado”, diz, quando pedimos para recordar esse tempo. A profissão da sua vida foi ser porteira.
Não sente que o seu trabalho tenha sofrido grandes alterações. Os moradores continuam a confiar na figura da porteira e nenhum problema se mostra suficientemente grande para Laura não resolver em três tempos: “Se há uma avaria, eu resolvo. Se fica alguém preso no elevador, eu tiro. Se falta a água também ligam para mim! Dou qualquer informação.”
Diz que o declínio da sua profissão se deve aos “senhores dos prédios que não querem pagar a uma porteira”. Têm sido substituídas pelas pessoas que vão aos prédios apenas para recolher o lixo e limpar os patamares. Para Laura, este trabalho não pode ser comparado ao seu: “Isso não tem nada a ver com ser porteira. Nem pensar!”
Há quem julgue “que é melhor ter pessoas estranhas a fazer as limpezas… mas não é a mesma coisa. Um prédio é muito mais do que fazer limpezas”, avisa. Na ausência de Laura, o prédio sente a falta de alguém que cuide dele: “Ainda agora fui de férias e quando voltei estava tudo em estado de sítio. Nada estava ao meu gosto. Até as plantas ressentem!” No dia-a-dia, a porteira também tira o lixo das portas dos apartamentos e coloca-os no caixote: “Quando estou de férias os caixotes até ficam cá em baixo a acumular cheiros.”
Conhece todos os que habitam o prédio e apelida-os carinhosamente de “os meus meninos”. As pessoas retribuem com uma grande confiança em Laura. “Quando têm de sair por uns dias também é em mim que confiam”, conta, acrescentando com um sorriso: “Já são muitos anos!”
Ainda tem “genica” mas sente que chegou a altura de viver a vida: “Qualquer dia vou-me embora e ficam sem porteira. As pessoas perguntam-me: então dona Laura, vai deixar a gente?” A resposta já está decorada: “Algum dia tem de ser!” Quando deixar de ser porteira, Laura terá de deixar a casa onde viveu quatro décadas. Mas encara esta situação com optimismo: “Vai ser bom. Sou viúva há 28 anos e agora vou refazer a minha vida. Senão ia para a terra”. “Apareceu a oportunidade e as pessoas têm o destino marcado”, é nisso que acredita. Não sabe se o prédio vai voltar a ter porteira porque “umas pessoas querem, outras não”. Mas tem uma certeza: “A amizade fica. Vi famílias a crescer, não deixam de ser os meus meninos independentemente da idade”.
porteiro marcus Marcus Carvalho tem 62 anos e é, desde 2003, porteiro num prédio na Avenida 5 de Outubro, em Lisboa. É brasileiro mas vivia no México antes arriscar a sua sorte em Portugal. Trabalhava na construção civil, mas a crise que se instalou em Portugal trocou-lhe as voltas: “Eu trabalhava nas obras mas fazia também um pouco de trabalho de electricista, um pouco de pintura… bem, um pouco de cada coisa! Mas Portugal entrou numa crise danada! Começou a deixar de haver trabalho e aqui no prédio ofereceram-me uma oportunidade”. Quando estava na construção já era conhecido no prédio: fazia biscates. “Às vezes vinha aqui fazer uns trabalhos. Quando apareceu esta hipótese, eu aceitei. Pensei: vão-me dar uma morada, um salário… Foi a minha oportunidade de ficar estável.”
Gosta do que faz e não tem dúvidas do afecto e da confiança que todos depositam nele: “O carinho é o mais importante. Eu sou o porteiro e sou o amigo. Estou pronto para tudo.” Até para quem o procura só para desabafar: “Sou um ombro amigo!Choram no meu ombro e eu choro no ombro deles”.
Também no prédio de Marcus se sente o ambiente familiar que já não existe noutros prédios. Apesar disso, é fácil explicar o declínio da profissão: “O porteiro é a maior despesa do condomínio. É o salário, a casa, a água, a luz… no final do ano é muito!” A vantagem é que o prédio está seguro 24 horas por dia. E os moradores vêem em Marcus um porto de abrigo: “Quaisquer coisas que precisem, a que hora do dia ou da noite for, ligam-me. E eu tenho todo o gosto em ajudar.”
O seu dia começa bem cedo: “Sou eu quem faz as limpezas do prédio. Antes tínhamos uma senhora que tratava disso, mas quando foi embora perguntaram-me se eu também aceitava esse trabalho. Disse que sim e passei a levantar-me mais cedo e a limpar de manhã, antes de todos acordarem”, conta, com o orgulho e a alegria que o caracterizam.
Apesar de gostar do que faz, não acredita que haja futuro para esta profissão: “Isto vai piorar. Põe-se um sistema de segurança, paga-se à parte um trabalho extra, mas quem tem um porteiro assim como eu, vai mantê-lo enquanto puder.”
Ainda não chegou o dia da reforma nem sabe a que distância ele se encontra. Tem 14 filhos que se orgulha de dizer que “estão todos criados”. Aproveita os tempos livres para se dedicar ao seu sonho, um gosto que herdou do pai: a fotografia. “Éramos uma família pobre e eu comecei a ter filhos muito cedo. Nunca pude comprar uma máquina.” Assim que acabou de criar os filhos – “só um ainda não casou” – foi para o prédio e teve condições para a comprar:“Aqui tenho a oportunidade de abraçar a fotografia. Estar aqui também me ajuda a realizar um sonho”, diz a sorrir.
No futuro, quer voltar ao Brasil, comprar uma caravana e andar pelo país a fotografar. “É o que eu quero para o final da minha vida. Mas agora quero estar aqui”, remata.