Fotografia Portuguesa. Tesouros de uma história pouco conhecida

Fotografia Portuguesa. Tesouros de uma história pouco conhecida


Até 28 de Junho, o MNAC mostra mais de 100 imagens que retratam o final do século xix do país nos primórdios da fotografia


Hoje não há telemóvel ou iPhone que não capte uma vista extensiva da cidade de Lisboa, a partir de um dos seus muitos miradouros, para colocar nas páginas do Instagram, do Facebook, num blog de viagens ou pessoal, tal como não há imperfeição que escape à edição estética do Photoshop. Mas tirando os avanços e dispositivos tecnológicos, as ideias não são propriamente uma novidade ou marca contemporânea. Na verdade, a história da fotografia panorâmica é quase tão antiga quanto a da fotografia propriamente dita e já no final do século xix se faziam fotomontagens que davam nova cara (e, por vezes, várias caras) a uma determinada imagem. Isso mesmo se pode ver na exposição “Tesouros da Fotografia Portuguesa do Século xix” que abre hoje ao público no Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado, em Lisboa.

Panorâmicas da capital portuguesa em seis provas, de Charles Trampus, às fases de construção da Ponte D. Luís, no Porto, por Emilio Biel, fotografias de paisagens naturais e retratos humanos, tirados por Carlos Relvas são apenas alguns dos elementos representativos de uma selecção de 145 fotografias, sete álbuns que representam o legado fotográfico produzido em Portugal, entre 1840 e 1900. O material em exposição permite entender como se foi desenvolvendo uma nova cultura visual no país, em que a fotografia surge como fruto e simultaneamente reflexo de uma sociedade em transformação, servindo a indústria, a ciência, o comércio e a arte.

O objectivo do projecto, que levou seis meses a preparar e que apresenta, pela primeira vez, um vasto conjunto de autores e fotografias, proveniente de colecções de 11 instituições públicas e seis coleccionadores privados e em grande parte nunca divulgadas antes, é mostrar e chamar atenção do público para o património fotográfico nacional. O período em exposição revela a grande multiplicidade e actualidade desse património, que reflecte as tendências da época a nível mundial e o seu eco no contexto do país.  

património por divulgar Apesar da riqueza que a exposição revela, Emília Tavares, comissária da exposição em conjunto com Margarida Medeiros, explicou, durante uma visita guiada aos jornalistas, que mesmo existindo muitos estudos sobre a fotografia portuguesa nessa época, eles permanecem nas academias, arredados do conhecimento do grande público. Por isso, a mostra visa também ser um primeiro contributo para uma moderna historiografia da fotografia portuguesa. Daí que a investigação esteja longe de estar terminada. A própria exposição vai servir para continuar esse trabalho, datando fotografias, verificando e corrigido a atribuição dos autores ou procedendo a outras actualizações, até porque, segundo Emília Tavares, existem ainda colecções, algumas públicas como a da Sociedade Portuguesa de Geografia, “que se mantém fechada aos investigadores”.

da ciência à Arte Muitos dos primeiros fotógrafos eram químicos, médicos e matemáticos e, também por isso, a fotografia era utilizada como instrumento de trabalho ou com um carácter utilitário. Na exposição, é possível observar imagens enquanto valor de identificação, de registo criminal, que acompanhavam, juntamente com amuletos e cartas, bebés que eram abandonados ao cuidado de instituições de caridade ou o registo do tratamento médico de doentes com lepra.

Mais do que obedecer a uma sequência rígida ou em torno dos autores, as comissárias procuraram apresentar uma “amálgama” de tendências e géneros que reflectisse a fotografia no contexto histórico e social. Do único daguerreótipo português conhecido, que regista a imagem do Castelo de Sintra, por Wenceslau Cifka, de 1849, às primeiras fotografias de acontecimentos públicos, como o casamento de D. Luís, numa imagem datada de 1862 e autor desconhecido, passamos por uma fotomontagem da família real (1858-1859) ou por retratos, dos nobres ao teatro, passando pelos mendigos, alguns por Carlos Relvas. Há também algumas raridades como uma das poucas imagens do grupo dos “Vencidos da Vida”, por Augusto Bobone, em 1889, e  uma imagem de Alexandre Herculano, captada na sua casa de Vale de Lobos, em Santarém, entre 1857 e 1870, por autor desconhecido.

São apenas alguns exemplos de um acervo que, pela sua dimensão, foi desdobrado em duas exposições. A segunda pode ser vista na Galeria Municipal Almeida Garrett, no Porto, de 30 de Maio a 16 de Agosto.