Já foram mais de duas centenas. Hoje são apenas quatro em toda a cidade de Lisboa. Os polícias sinaleiros deram lugar aos semáforos, mas ainda há cruzamentos em que são insubstituíveis. São poucos e tornaram-se tão populares que os lisboetas olham para eles como fazendo parte da família. O carinho que recebem só é comparável ao das estrelas de rock.
Andreia Ambrósio tem 25 anos e é a mais recente polícia sinaleira da capital. Além de ser a que há menos tempo está em funções, é também a mais nova dos quatro e a única mulher. “São muitas coisas para conciliar, mas eu aguento bem”, assegura entre risos.
É certo que as funções dos polícias sinaleiros foram ultrapassadas pelos semáforos, mas o que faz sentido é usar a lógica humana em vez de um aparelho luminoso que trava o trânsito ou o deixa avançar: “Vieram os sinais luminosos e substituíram o trabalho do polícia.”
E “onde está um sinal, não faz sentido estar um sinaleiro”, defende Andreia. O que tem sentido é “estar um polícia sinaleiro num cruzamento porque, às vezes, o sinal está verde e não há carros a passar.” Com um polícia no lugar de um semáforo, nada disso aconteceria: “Nós coordenamos em todas as frentes.” Onde há mais trânsito, mandam avançar; onde há menos trânsito, aguarda-se uns minutinhos. Parece simples, mas exige atenção máxima e muita coordenação. Qualquer erro ou falha pode vir a ser um grande problema: “Senti pressão na primeira semana e também na segunda… mas, depois, uma pessoa habitua-se”, confessa.
Está sozinha no seu posto há quatro meses, mas antes recebeu formação durante um mês com o seu mentor, que é nada mais nada menos que o polícia sinaleiro mais famoso de Lisboa: o agente Paixão. “É um colega cinco estrelas!”, garante. Ser polícia sinaleira nem sequer era a ambição de Andreia. Nunca tinha pensado em tal hipótese. “Mas encaro como um desafio. Agora que sou sinaleira, gosto”, conta com orgulho. No futuro, não descarta outros caminhos, mas o que conta é o presente e está “muito bem e muito contente” com esta profissão.
Orgulha-se de dizer que no cruzamento pelo qual é responsável nunca houve um acidente durante o seu turno. “O que já aconteceu foi ter de auxiliar outros que aconteceram perto do cruzamento”, conta, acrescentando que, como sinaleira, a principal preocupação são os peões: “Há muitos que não sabem que têm de respeitar o polícia sinaleiro e atravessam a estrada sem atenção.”
Por outro lado, é respeitada pelos automobilistas. São civilizados e nunca ouviu comentários desagradáveis por ser nova nem tão-pouco por ser mulher. “Já tive de chamar a atenção de muitos deles, mas sempre por deslizes em relação às regras de trânsito”, esclarece.
Tal como um maestro dirige uma orquestra com várias velocidades musicais, ela também coordena os ritmos do tráfego que atravessam a Rua da Escola Politécnica. Vê o seu lugar como uma posição estratégica de proximidade com a população: “A Misericórdia é uma freguesia de pessoas muito idosas que me procuram para falar e até desabafar. Vêem-me fardada na rua e abordam-me.”
Quando diz que é polícia sinaleira, as reacções são quase sempre de surpresa: “Acham bastante engraçado porque é uma profissão em vias de extinção.” E não faziam ideia de que há ainda umas quantas aves raras a assegurar a sobrevivência da espécie. “Ainda por cima, sendo eu muito nova!”, remata.
AGENTE por PAIXÃO Foi o mentor de Andreia e é o polícia que há mais anos é sinaleiro na capital. Aos 53 de vida, já dedicou 20 à profissão. É natural de Coimbra, mas foi em Lisboa que se tornou uma celebridade. Enquanto se conversa com António Paixão, somos interrompidos por todo o género de situações: turistas que pedem informações, peões que fazem uma pausa na caminhada para dar um dedo de conversa, crianças que acenam da janela dos carros.
O agente Paixão responde sempre com um sorriso: “É uma profissão muito interessante. Somos poucos no país e, por isso, alvo de muita curiosidade. As pessoas gostam de me tirar fotografias e muitas já me viram na televisão. Há uma certa visibilidade e sinto que valorizam muito o nosso trabalho.”
Já ensinou os truques da profissão aos novos sinaleiros, mas foi também com colegas mais experientes que aprendeu o ofício. “O que se está a passar agora já se passou antes comigo”, conta, acrescentando que, para aprender, teve de “andar a correr os locais todos onde estivessem os sinaleiros” para ver como se fazia.
O seu local de trabalho é o cruzamento da Rua da Junqueira com a Calçada da Ajuda, perto do Museu Nacional dos Coches, mas aos domingos podemos sempre ver um sinaleiro na passadeira junto aos Pastéis de Belém. Neste que passou foi a vez do agente Paixão: “Aqui estamos a dar apoio aos peões e aos carros, especialmente, porque há muitas pessoas a passear aqui. É uma zona bastante frequentada aos fins-de-semana”, esclarece. E é também neste lugar que sente o carinho a chegar de todas as direcções: “Nos domingos que eu estou aqui, é uma alegria.” Há sempre alguém que o conhece ou que já o viu na televisão: “Já me sinto um pouco famoso”, confessa.
Não é para menos. Qualquer sítio para onde vá, é difícil passar despercebido. E, olhando agora para trás, ser sinaleiro nem sequer era profissão que pensasse vir a abraçar: “Trabalhei numa fábrica e depois, como estudei, fui para a parte administrativa.” Era empregado de escritório antes de ingressar na polícia: “Quando entrei na PSP, surgiu na divisão de trânsito um convite para polícias sinaleiros. Eu aceitei”, recorda. Neste momento tem mais uma função a acrescentar: “Sou o grande embaixador dos sinaleiros!”
Quando estava na divisão de trânsito, havia mais sinaleiros e estavam espalhados por toda a cidade. Mas a situação mudou: “Acho que foi o progresso que foi sufocando a nossa profissão.” Paixão andava desgostoso porque, até há bem pouco tempo, eram só dois a representar a classe. Ainda por cima, o colega estava à beira da reforma, e ele prestes a ficar sozinho. Foi, portanto, com alívio que recebeu a notícia do comando da PSP de que haveria a oportunidade de formar mais sinaleiros. Actualmente, o número dobrou.
Tal como acontece com Andreia, além do policiamento do trânsito, o agente Paixão assume também funções de pedagogo: “A minha atitude não é punitiva, é mais didáctica”, explica. Estar todos os dias plantado no mesmo lugar faz com que lisboetas ou turistas ganhem confiança nele: “Passamos a ser parte da família.” Não é exagero. Fazem questão de o cumprimentar, fazem até questão, em alguns casos, de lhe dar um beijinho.
É o primeiro polícia sinaleiro licenciado e o ensino superior mudou-lhe a perspectiva. Os conhecimentos adquiridos no bacharelato em Assistência Social e no curso de Ciências Sociais são usados no dia-a-dia: “As pessoas transformam-se quando estão ao volante. Há estudos feitos sobre isso. Então pessoas com jipes e com máquinas potentes… nem imagina!”