Portugal, os EUA e a base das Lajes: the tail wagging the dog?


Com as repercussões negativas que isso pode ter nas relações bilaterais, as Lajes ameaçam tornar-se num assunto de política interna, num palco de política partidária, em última instância numa indesejada tail wagging the dog


MINISTRO dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete, encontrou-se no passado dia 21 de Abril, em Washington, com o secretário de Estado norte-americano, John Kerry. Como é óbvio, não se conhece o conteúdo detalhado da reunião. Sabe-se apenas que entre os temas abordados terão estado a situação na Ucrânia, o terrorismo, a segurança marítima, o Médio Oriente (em particular, o acordo alcançado com o Irão) e, claro, a base das Lajes. Alguns destes assuntos pouco mais terão sido do que conversa de circunstância, mas outros foram certamente alvo de troca de impressões mais substantiva. Arriscaria dizer que, por ordem crescente, o Iraque, o golfo da Guiné e a base das Lajes foram o prato principal.

Comecemos pelo Iraque: em sintonia com a estratégia portuguesa de contributo activo para a segurança global, o governo declarou há algum tempo o seu apoio à coligação contra o Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIL na sigla em inglês). Tendo este contexto como pano de fundo, Machete anunciou formalmente em Washington que Portugal decidiu enviar 30 militares para ajudar a preparar e capacitar as forças armadas iraquianas. Como dita o protocolo diplomático, Kerry agradeceu o apoio de Portugal no combate ao ISIL e o compromisso na luta contra o terrorismo. Como é natural, não serão certamente os 30 militares portugueses que farão a diferença na luta contra o ISIL, mas a presença portuguesa vale sobretudo pelo sinal político e diplomático que transmite.

Quanto à segurança marítima no golfo da Guiné, a União Europeia (UE) e a NATO querem apoiar de forma mais activa os países da região no combate à pirataria e ao tráfico de droga. Portugal tem todo o interesse – e condições privilegiadas – para assumir um papel de primeira linha nesse contexto. Nessa medida, Machete terá por certo transmitido detalhadamente a Kerry os seus argumentos a favor da instalação em Portugal de um Centro de Segurança Marítima dedicado ao golfo da Guiné.

Mas o assunto principal no encontro entre Machete e Kerry foi, indiscutivelmente, a redução do contingente norte–americano na base das Lajes. Como referi num artigo anterior, é seguramente do interesse de Portugal e dos Estados Unidos da América (EUA) que se encontre o mais rapidamente possível uma solução de compromisso. O dossiê das Lajes ameaça tornar-se, em Portugal, um assunto de política interna e um palco de política partidária, com as repercussões negativas que isso pode ter nas relações bilaterais. Dito por outras palavras, as Lajes correm o risco de se transformar numa indesejada tail wagging the dog (cauda que abana o cão).

Abstenho-me de tentar apontar as quotas de responsabilidade para que aqui se tenha chegado. Na verdade, pouco importa. O essencial é que o dossiê das Lajes se resolva rapidamente e de acordo com o interesse mútuo. Afinal, as relações entre os EUA e Portugal – e as relações transatlânticas, num sentido mais lato – envolvem muito mais do que a base das Lajes.

Vejamos, em particular, os dados económicos mais recentes: em 2014, os EUA foram o décimo maior investidor em Portugal (cerca de 1,9% do total de investimento directo estrangeiro). De acordo com a AICEP, nos últimos cinco anos, a balança comercial tem sido “amplamente favorável” a Portugal – os EUA foram o sexto maior destino das exportações portuguesas e o segundo mais importante fora da UE. Acresce que, uma vez concluídas as negociações entre a UE e os EUA relativas à Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento, as relações transatlânticas – e as bilaterais, em particular – beneficiarão seguramente de um impulso adicional.

Alguns observadores dirão que a relação bilateral é seguramente mais importante para Portugal do que para os EUA. Talvez. Mas num sistema internacional globalizado e em que as relações de poder estão em transformação, a aritmética será possivelmente mais complexa do que possa parecer à primeira vista. Seguro e garantido é que as duas partes têm mais a perder do que a ganhar com a deterioração da relação bilateral, ainda por cima por causa de um assunto importante, sem dúvida, mas de segunda ordem.

Não demorará, em todo o caso, muito tempo a perceber se prevaleceu uma certa miopia ou se imperou a preocupação com o quadro político e diplomático mais vasto. A próxima reunião da Comissão Bilateral Permanente entre Portugal e os EUA, em que será discutida a redução do contingente norte-americano na base das Lajes, está agendada para dia 16 de Junho em Washington. Nessa altura se verá se as Lajes são, de facto, the tail wagging the dog ou se a relação bilateral regressa, muito oportunamente, aos seus tempos de normalidade.

Portugal, os EUA e a base das Lajes: the tail wagging the dog?


Com as repercussões negativas que isso pode ter nas relações bilaterais, as Lajes ameaçam tornar-se num assunto de política interna, num palco de política partidária, em última instância numa indesejada tail wagging the dog


MINISTRO dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete, encontrou-se no passado dia 21 de Abril, em Washington, com o secretário de Estado norte-americano, John Kerry. Como é óbvio, não se conhece o conteúdo detalhado da reunião. Sabe-se apenas que entre os temas abordados terão estado a situação na Ucrânia, o terrorismo, a segurança marítima, o Médio Oriente (em particular, o acordo alcançado com o Irão) e, claro, a base das Lajes. Alguns destes assuntos pouco mais terão sido do que conversa de circunstância, mas outros foram certamente alvo de troca de impressões mais substantiva. Arriscaria dizer que, por ordem crescente, o Iraque, o golfo da Guiné e a base das Lajes foram o prato principal.

Comecemos pelo Iraque: em sintonia com a estratégia portuguesa de contributo activo para a segurança global, o governo declarou há algum tempo o seu apoio à coligação contra o Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIL na sigla em inglês). Tendo este contexto como pano de fundo, Machete anunciou formalmente em Washington que Portugal decidiu enviar 30 militares para ajudar a preparar e capacitar as forças armadas iraquianas. Como dita o protocolo diplomático, Kerry agradeceu o apoio de Portugal no combate ao ISIL e o compromisso na luta contra o terrorismo. Como é natural, não serão certamente os 30 militares portugueses que farão a diferença na luta contra o ISIL, mas a presença portuguesa vale sobretudo pelo sinal político e diplomático que transmite.

Quanto à segurança marítima no golfo da Guiné, a União Europeia (UE) e a NATO querem apoiar de forma mais activa os países da região no combate à pirataria e ao tráfico de droga. Portugal tem todo o interesse – e condições privilegiadas – para assumir um papel de primeira linha nesse contexto. Nessa medida, Machete terá por certo transmitido detalhadamente a Kerry os seus argumentos a favor da instalação em Portugal de um Centro de Segurança Marítima dedicado ao golfo da Guiné.

Mas o assunto principal no encontro entre Machete e Kerry foi, indiscutivelmente, a redução do contingente norte–americano na base das Lajes. Como referi num artigo anterior, é seguramente do interesse de Portugal e dos Estados Unidos da América (EUA) que se encontre o mais rapidamente possível uma solução de compromisso. O dossiê das Lajes ameaça tornar-se, em Portugal, um assunto de política interna e um palco de política partidária, com as repercussões negativas que isso pode ter nas relações bilaterais. Dito por outras palavras, as Lajes correm o risco de se transformar numa indesejada tail wagging the dog (cauda que abana o cão).

Abstenho-me de tentar apontar as quotas de responsabilidade para que aqui se tenha chegado. Na verdade, pouco importa. O essencial é que o dossiê das Lajes se resolva rapidamente e de acordo com o interesse mútuo. Afinal, as relações entre os EUA e Portugal – e as relações transatlânticas, num sentido mais lato – envolvem muito mais do que a base das Lajes.

Vejamos, em particular, os dados económicos mais recentes: em 2014, os EUA foram o décimo maior investidor em Portugal (cerca de 1,9% do total de investimento directo estrangeiro). De acordo com a AICEP, nos últimos cinco anos, a balança comercial tem sido “amplamente favorável” a Portugal – os EUA foram o sexto maior destino das exportações portuguesas e o segundo mais importante fora da UE. Acresce que, uma vez concluídas as negociações entre a UE e os EUA relativas à Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento, as relações transatlânticas – e as bilaterais, em particular – beneficiarão seguramente de um impulso adicional.

Alguns observadores dirão que a relação bilateral é seguramente mais importante para Portugal do que para os EUA. Talvez. Mas num sistema internacional globalizado e em que as relações de poder estão em transformação, a aritmética será possivelmente mais complexa do que possa parecer à primeira vista. Seguro e garantido é que as duas partes têm mais a perder do que a ganhar com a deterioração da relação bilateral, ainda por cima por causa de um assunto importante, sem dúvida, mas de segunda ordem.

Não demorará, em todo o caso, muito tempo a perceber se prevaleceu uma certa miopia ou se imperou a preocupação com o quadro político e diplomático mais vasto. A próxima reunião da Comissão Bilateral Permanente entre Portugal e os EUA, em que será discutida a redução do contingente norte-americano na base das Lajes, está agendada para dia 16 de Junho em Washington. Nessa altura se verá se as Lajes são, de facto, the tail wagging the dog ou se a relação bilateral regressa, muito oportunamente, aos seus tempos de normalidade.