Da Avenida da Liberdade a Alfama, o regresso a 2011 em matéria de imposto sobre valor acrescentado (IVA) é visto com desconfiança. “Não vai nada para a frente, é uma promessa eleitoral”, reage Anabela, a Bela da Tasca que tem fado ao domingo e a cara estampada no rótulo de uma garrafa de vinho que vende ao balcão. “Onde é que iam buscar o dinheiro? Não tardava tínhamos cá a troika outra vez”, prevê a bairrista que, tal como outras 20 mil pessoas, assinou a petição que a Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) levou ao parlamento em Março, para ser chumbada pela maioria.
No primeiro andar do requintado Avenue, a chefe Marlene Vieira repete a inquietação. “Se o IVA descer, é um alívio, mas os milhões que entraram nos cofres do Estado desde 2012 têm de ser repostos de alguma forma. Onde é que vão mexer? Na hotelaria, que tem um IVA de 7%? Fico de pé atrás”, resumiu antes de confessar que viu o aumento da taxa de IVA como um teste à sobrevivência de um mercado saturado. “Não foram só os 23% que tiveram impacto na actividade. Preferia ver descer a carga fiscal das famílias, o IRS e a Segurança Social. Ao IVA readaptamo-nos; à diminuição do poder de compra e aos salários baixos, não”, explica.
CUSTOS ENVOLVENTES Na Sacristia, os pregos e as bifanas ainda se comem ao balcão. Há 13 anos à frente da tasca que une a Rua Dom Antão de Almada ao Rossio, em Lisboa, Adriano Alves encolhe os ombros à intenção do ex-autarca socialista António Costa. “Era um alívio, mas não há motivos para acreditar”, desabafa entredentes. “Aumentei os preços para manter isto aberto, mas as pessoas consomem menos, por isso trabalho para o dia-a-dia. Lucros, nem vê-los”, lamenta entre o manípulo da imperial e a correria do fogão que dirige sozinho.
Lado a lado com a estação de metro da Baixa-Chiado, a proprietária do Palmeiras “sobrevive” à mesma situação. Desde 2012 que trabalha para pagar as contas e os ordenados dos 11 empregados que se recusa a despedir. “Se chegássemos ao fim do mês e conseguíssemos levar alguma coisa para casa, já era bom. Baixar o IVA não chega para recuperar o sector”, avisa Maria do Rosário Carapinha, a empresária que está pronta para baixar os preços caso a medida avance no Orçamento do Estado de 2016.
Uma intenção que “tem de ser bem estudada”, conforme defendem os responsáveis pelos outros estabelecimentos que o i visitou. “Recuperar o tempo perdido” e “aumentar os ordenados” estão no topo das prioridades dos “resistentes” da restauração, que se dizem na mira do governo de coligação.
Guardião da “jóia da cidade” há mais de 20 anos, o proprietário do Martinho da Arcada é o primeiro a convidar os governantes a gerir a casa que já não pertence apenas a Fernando Pessoa. Entre as recém–colocadas fotografias de Saramago e Manoel d’Oliveira, António Sousa demora-se a explicar o cenário “macro” que não lhe roubou clientes fixos, mas afugentou os que estão de passagem. “Diminuiu o poder de compra, aumentou os custos da matéria-prima, combustíveis e electricidade. Junte agora a taxa do multibanco, os impostos e os ordenados. Não precisa de fazer contas para perceber que nem vejo mais de metade da receita.”
“Já reparou que uma sopa tem o mesmo IVA de um diamante?”, questiona, enquanto garante que pretende comemorar o 250.o aniversário do restaurante, daqui a 17 anos, “com a mesma dignidade” com que tem conseguido mantê-lo. No mesmo sentido, a Bela de Alfama quer um olhar atento sobre o sector. “Gostava que eles estivessem aqui a ver o que se ganha, o que se trabalha, o que se gasta e, chegando ao fim da noite, com o que se fica. Mais nada.”
Bandeira de António José Seguro, a reposição do IVA da restauração dos 23% para os 13% foi defendida por Pires de Lima antes de assumir a pasta da Economia. Agora, a proposta está de volta no relatório que “não é a Bíblia”, mas propõe “uma década para Portugal” sob o domínio do PS de António Costa.