Espanha, Sócrates e a transparência


Um partido espanhol contratou uma consultora para verificar se os seus candidatos têm multas ou impostos para pagar ou se cometeram algum crime durante a sua vida adulta. Uma boa forma de evitar problemas no futuro


Nunca deve ter ouvido falar de uma empresa espanhola chamada H4DM. Tem nome de código de operações secretas, mas trata-se de uma empresa de consultoria especializada em estratégia empresarial que nem no seu próprio país era muito conhecida até surgir na manchete do “El Mundo” de domingo. Porquê? Por ter sido contratada pelo partido Ciudadanos para verificar a idoneidade de todos os seus candidatos às eleições regionais e municipais do próximo mês de Maio. Grosso modo, os funcionários da H4DM, apelidados de “detectives” pelo jornal madrileno, investigam o passado dos candidatos com recurso a fontes abertas ou confidenciais para descobrir se aqueles que querem ser as novas caras dos Ciudadanos cometeram alguma irregularidade ou até crime durante a sua vida adulta. Isto é, verificam se os candidatos têm impostos em atraso, se há multas por pagar, etc. Como diz fonte oficial da H4DM, esta “tem o objectivo de minimizar os riscos na medida do possível” e dar o seu parecer sobre se o partido pode contar com uma “boa eleição” ou uma “futura mancha negra”.

A ideia do partido de Albert Rivera não é peregrina a nível mundial – baseia-se até no modelo norte-americano de escrutinar os candidatos antes de serem apresentados. Mas tem o mérito de trazer para o debate público a necessidade (e a obrigação) que os partidos têm de apresentar candidatos idóneos e de se responsabilizar pela sua escolha.

De todos os estados europeus, Espanha talvez seja o país em que a crise da democracia representativa tem vindo a agravar-se mais. Desde 2007 que sucessivos casos de corrupção e de má gestão de dinheiros públicos têm surgido no país de norte a sul, da Galiza à Andaluzia, no poder central, regional e municipal, no PP, no PSOE e também em forças independentes que ganharam eleições locais. Tudo começou com operações em grande escala para combater a corrupção urbanística nas regiões da Andaluzia, de Múrcia ou Valência, alargou-se ao poder financeiro de caixas mutualistas muito ligadas ao poder local que financiaram a bolha imobiliária que esteve na origem do resgate da banca espanhola, passou pelos governos regionais, atacou a coroa na pessoa da infanta Cristina e do marido e chegou na semana passada ao ex-vice-primeiro--ministro e ex-director-geral do FMI Rodrigo Rato (braço-direito de José María Aznar no governo do PP nos anos 90 e 2000). São estes escândalos sucessivos que não param de rebentar nos jornais espanhóis, com a forte descredibilização da classe política tradicional que lhe está associada, que melhor explicam a ascensão do Podemos e do Ciudadanos.

O objectivo central da decisão dos Ciudadanos de contratar a H4DM é evitar precisamente este tipo de situações. Isso não impedirá eventuais casos de corrupção, que nascem naturalmente do exercício do poder, mas dá aos Ciudadanos uma forte legitimidade para atacar a decadência dos partidos tradicionais.

PSD, CDS e PS deviam olhar com atenção para esta acção do Ciudadanos para evitarem precisamente a degradação da sua imagem juntos dos eleitores. No caso dos socialistas, se tal tivesse sido feito em 2005, talvez o PStivesse evitado ter-se apresentado com José Sócrates como candidato a primeiro-ministro e não se arriscasse a pagar um preço tão elevado nas legislativas de Outubro.


Espanha, Sócrates e a transparência


Um partido espanhol contratou uma consultora para verificar se os seus candidatos têm multas ou impostos para pagar ou se cometeram algum crime durante a sua vida adulta. Uma boa forma de evitar problemas no futuro


Nunca deve ter ouvido falar de uma empresa espanhola chamada H4DM. Tem nome de código de operações secretas, mas trata-se de uma empresa de consultoria especializada em estratégia empresarial que nem no seu próprio país era muito conhecida até surgir na manchete do “El Mundo” de domingo. Porquê? Por ter sido contratada pelo partido Ciudadanos para verificar a idoneidade de todos os seus candidatos às eleições regionais e municipais do próximo mês de Maio. Grosso modo, os funcionários da H4DM, apelidados de “detectives” pelo jornal madrileno, investigam o passado dos candidatos com recurso a fontes abertas ou confidenciais para descobrir se aqueles que querem ser as novas caras dos Ciudadanos cometeram alguma irregularidade ou até crime durante a sua vida adulta. Isto é, verificam se os candidatos têm impostos em atraso, se há multas por pagar, etc. Como diz fonte oficial da H4DM, esta “tem o objectivo de minimizar os riscos na medida do possível” e dar o seu parecer sobre se o partido pode contar com uma “boa eleição” ou uma “futura mancha negra”.

A ideia do partido de Albert Rivera não é peregrina a nível mundial – baseia-se até no modelo norte-americano de escrutinar os candidatos antes de serem apresentados. Mas tem o mérito de trazer para o debate público a necessidade (e a obrigação) que os partidos têm de apresentar candidatos idóneos e de se responsabilizar pela sua escolha.

De todos os estados europeus, Espanha talvez seja o país em que a crise da democracia representativa tem vindo a agravar-se mais. Desde 2007 que sucessivos casos de corrupção e de má gestão de dinheiros públicos têm surgido no país de norte a sul, da Galiza à Andaluzia, no poder central, regional e municipal, no PP, no PSOE e também em forças independentes que ganharam eleições locais. Tudo começou com operações em grande escala para combater a corrupção urbanística nas regiões da Andaluzia, de Múrcia ou Valência, alargou-se ao poder financeiro de caixas mutualistas muito ligadas ao poder local que financiaram a bolha imobiliária que esteve na origem do resgate da banca espanhola, passou pelos governos regionais, atacou a coroa na pessoa da infanta Cristina e do marido e chegou na semana passada ao ex-vice-primeiro--ministro e ex-director-geral do FMI Rodrigo Rato (braço-direito de José María Aznar no governo do PP nos anos 90 e 2000). São estes escândalos sucessivos que não param de rebentar nos jornais espanhóis, com a forte descredibilização da classe política tradicional que lhe está associada, que melhor explicam a ascensão do Podemos e do Ciudadanos.

O objectivo central da decisão dos Ciudadanos de contratar a H4DM é evitar precisamente este tipo de situações. Isso não impedirá eventuais casos de corrupção, que nascem naturalmente do exercício do poder, mas dá aos Ciudadanos uma forte legitimidade para atacar a decadência dos partidos tradicionais.

PSD, CDS e PS deviam olhar com atenção para esta acção do Ciudadanos para evitarem precisamente a degradação da sua imagem juntos dos eleitores. No caso dos socialistas, se tal tivesse sido feito em 2005, talvez o PStivesse evitado ter-se apresentado com José Sócrates como candidato a primeiro-ministro e não se arriscasse a pagar um preço tão elevado nas legislativas de Outubro.