Durante um ano amamenta quem quer


A semana dos contos de fadas: propostas de Aladino, embriões imaginários, leis absurdas e atestados de amamentação falsos. Em comum: acredita quem quer


Se não desse para chorar, tínhamos tido esta semana mais do que motivos para rir. Não faltou nada:  propostas políticas que parecem pedidos feitos a Aladino, o da lamparina; enfermeiras obrigadas a provar que têm leite para continuar a usufruir do direito a amamentar; e capas de revista, e até notícias em jornais sérios, a anunciar o “pesadelo de Kate Middleton”, confrontada no imaginário de um jornal de escândalos, bem entendido, com uma putativa cunhada, pronta a roubar-lhe o trono.

Parecem assuntos sem pontos comuns, mas se virmos bem percebemos que são apenas facetas de contos de fadas, em que as bruxas são tão relevantes como as princesas. Têm sobretudo em comum o facto de já só acreditar neles quem quer.

Mas se quanto aos sonhos cor-de--rosa dos nossos políticos já sabemos do que a casa gasta em vésperas de eleições, confesso que me faz mais confusão – embora o assunto em si seja absolutamente irrelevante – que as revistas e os jornais, sobretudo os mais credíveis, não apliquem o sentido crítico às notícias que publicam, salientando o seu absurdo.

Sim, porque escrever que “como é tradição na família real britânica” Diana foi obrigada a dar os seus óvulos, semanas antes do casamento, para que fossem unidos ao sémen de Carlos, a fim de verificar se estava capaz de gerar um filho, é fabricar uma pérola para os anais do jornalismo.

Francamente não sei se me diverte mais a ideia de que a inseminação artificial se pratica na família real desde tempos imemoriais, se o absurdo da ideia de Diana estimulada por hormonas, enquanto o mensageiro real galopava ao seu encontro com um frasquinho cheio a transbordar das preciosas sementes com pequenas coroas na cabeça que, para gáudio da rainha, se uniam formando um embriãozinho, logo a descartar, como se fossem um lixo qualquer. Esta versão sórdida da Princesa Ervilha não tem em conta que, como a nossa D. Catarina de Bragança poderia atestar, engravidar não é sinónimo de ter um filho, mas revela bem a que ponto nos leva a inveja. Só suportamos que eles sejam “reis” e nós plebeus se forem criaturas pérfidas e capazes de tudo.  

As licenças de amamentação são outra história encantada que tristemente descarrilou, como acontece quando não se tem a coragem de se chamar as coisas pelos nomes. Neste momento a lei permite que a licença de aleitamento até o filho perfazer um ano seja gozada pela mãe… ou, surpresa, pelo pai (que, coitado, falharia todas as provas de leite!).

Na prática o que aconteceu foi que se tornou consensual, e muito bem, que as duas horas diárias eram um benefício justo e essencial para pais com filhos bebés, amamentando ou não, mas por absurdo não lhe mudaram a designação.

As exigências da lei, contudo, tornam-se mais rigorosas após um ano, limitando-a à mãe que de facto dá de mamar, obrigando a apresentação de um atestado mensal. Por mais um disparate, esquece-se de impor um limite temporal (a OMS indica os dois anos), o que faz que haja mães de filhos de quatro e cinco anos a beneficiar das horas a menos.

Obviamente, com a cumplicidade de alguns médicos para desespero das administrações, e das colegas, com certeza.

A parte mais triste da história é a aparente passividade da OMS perante os atestados falsos, que o Hospital de S. João, por exemplo, invocou serem metade de todos os atestados. Enquanto se apressou a dizer que ia processar disciplinarmente os médicos que pediam a prova de leite, nem um pio sobre o crime dos outros que, convenhamos, é bem mais grave. Espantei–me a princípio, mas depois li, no “Público”, que a Comissão de Ética para a Saúde da ARS do Norte frisou, já em 2010, que os médicos só devem passar atestados “se estiverem efectivamente convencidos de que essa amamentação é uma realidade”, e percebi tudo. Contos de fadas sem convicção é que não dá mesmo com nada.

Jornalista e escritora
Escreve ao sábado


Durante um ano amamenta quem quer


A semana dos contos de fadas: propostas de Aladino, embriões imaginários, leis absurdas e atestados de amamentação falsos. Em comum: acredita quem quer


Se não desse para chorar, tínhamos tido esta semana mais do que motivos para rir. Não faltou nada:  propostas políticas que parecem pedidos feitos a Aladino, o da lamparina; enfermeiras obrigadas a provar que têm leite para continuar a usufruir do direito a amamentar; e capas de revista, e até notícias em jornais sérios, a anunciar o “pesadelo de Kate Middleton”, confrontada no imaginário de um jornal de escândalos, bem entendido, com uma putativa cunhada, pronta a roubar-lhe o trono.

Parecem assuntos sem pontos comuns, mas se virmos bem percebemos que são apenas facetas de contos de fadas, em que as bruxas são tão relevantes como as princesas. Têm sobretudo em comum o facto de já só acreditar neles quem quer.

Mas se quanto aos sonhos cor-de--rosa dos nossos políticos já sabemos do que a casa gasta em vésperas de eleições, confesso que me faz mais confusão – embora o assunto em si seja absolutamente irrelevante – que as revistas e os jornais, sobretudo os mais credíveis, não apliquem o sentido crítico às notícias que publicam, salientando o seu absurdo.

Sim, porque escrever que “como é tradição na família real britânica” Diana foi obrigada a dar os seus óvulos, semanas antes do casamento, para que fossem unidos ao sémen de Carlos, a fim de verificar se estava capaz de gerar um filho, é fabricar uma pérola para os anais do jornalismo.

Francamente não sei se me diverte mais a ideia de que a inseminação artificial se pratica na família real desde tempos imemoriais, se o absurdo da ideia de Diana estimulada por hormonas, enquanto o mensageiro real galopava ao seu encontro com um frasquinho cheio a transbordar das preciosas sementes com pequenas coroas na cabeça que, para gáudio da rainha, se uniam formando um embriãozinho, logo a descartar, como se fossem um lixo qualquer. Esta versão sórdida da Princesa Ervilha não tem em conta que, como a nossa D. Catarina de Bragança poderia atestar, engravidar não é sinónimo de ter um filho, mas revela bem a que ponto nos leva a inveja. Só suportamos que eles sejam “reis” e nós plebeus se forem criaturas pérfidas e capazes de tudo.  

As licenças de amamentação são outra história encantada que tristemente descarrilou, como acontece quando não se tem a coragem de se chamar as coisas pelos nomes. Neste momento a lei permite que a licença de aleitamento até o filho perfazer um ano seja gozada pela mãe… ou, surpresa, pelo pai (que, coitado, falharia todas as provas de leite!).

Na prática o que aconteceu foi que se tornou consensual, e muito bem, que as duas horas diárias eram um benefício justo e essencial para pais com filhos bebés, amamentando ou não, mas por absurdo não lhe mudaram a designação.

As exigências da lei, contudo, tornam-se mais rigorosas após um ano, limitando-a à mãe que de facto dá de mamar, obrigando a apresentação de um atestado mensal. Por mais um disparate, esquece-se de impor um limite temporal (a OMS indica os dois anos), o que faz que haja mães de filhos de quatro e cinco anos a beneficiar das horas a menos.

Obviamente, com a cumplicidade de alguns médicos para desespero das administrações, e das colegas, com certeza.

A parte mais triste da história é a aparente passividade da OMS perante os atestados falsos, que o Hospital de S. João, por exemplo, invocou serem metade de todos os atestados. Enquanto se apressou a dizer que ia processar disciplinarmente os médicos que pediam a prova de leite, nem um pio sobre o crime dos outros que, convenhamos, é bem mais grave. Espantei–me a princípio, mas depois li, no “Público”, que a Comissão de Ética para a Saúde da ARS do Norte frisou, já em 2010, que os médicos só devem passar atestados “se estiverem efectivamente convencidos de que essa amamentação é uma realidade”, e percebi tudo. Contos de fadas sem convicção é que não dá mesmo com nada.

Jornalista e escritora
Escreve ao sábado