É o filme que abre hoje a Festa do Cinema Italiano e vai depois ter estreia em sala. A realizadora, Alice Rohrwacher, guia-nos sem fazer uso de mapa.
As maravilhas que estão a acontecer a esta Alice. É bom de saber, mas torna a comunicação difícil. Temos a hora marcada mas a realizadora não pode atender o telefone, aconteceram coisas várias. Comunicamos por SMS. “Falamos depois de almoço? Pode ser em português, quero dizer, em portunhol?” Claro que pode, mas quando lá chegarmos haverá mais surpresas: “Estou no comboio, vou para o aeroporto. Falamos nocheck-in?” Naturalmente. Meia hora depois aí estamos, nós de um lado, Alice Rohrwacher do outro, antes que comece a Festa do Cinema Italiano (é hoje, cara gente, é hoje, com o Cinema São Jorge, em Lisboa, como espaço principal, até 2 de Abril): “Peço desculpa, é esta coisa dos festivais, sempre a correr, sempre… como se diz… de um lado para o outro.” Tudo para trazer “O País das Maravilhas” à abertura da festa, um dia antes da estreia em sala. “É sempre bom, é sempre diferente”, diz–nos a cineasta. Tal como Alice, a personagem de outros contos, Rohrwacher está encantada. O filme passa hoje às 21h30 noSão Jorge.
“O País das Maravilhas” (Grande Prémio doJúri emCannes) é uma história de família, de crescimento. É um exercício sobre o tempo que passa sem pedir licença ou desculpa. O filme mostra-nos uma família rural, simples nas ambições e em tudo o resto. Um equilíbrio que pode ser corrompido quando um programa de televisão, apresentado por Milly Catena (Monica Bellucci), chega à aldeia para descobrir a família mais tradicional, que pode até ganhar um prémio graças à diferença – o exotismo paga-se bem. No meio desta visita sem aviso ganha corpo visível a angústia das irmãs que querem a mudança, do pai que a recusa e da mãe que escolhe o lado das filhas sem querer pôr em causa o papel do chefe da casa. “A relação entre pessoas que se gostam será sempre um dos temas favoritos de quem faz filmes e de quem os vê”, afirma Alice Rohrwacher. “Mais ainda quando as pessoas em causa são familiares, partilham casa, mais que isso partilham uma ideia de vida.” Por vezes não a partilham, divergem nos objectivos e surgem os conflitos. “São quase sempre bons, os conflitos.”
Alice fala devagar porque quer ter cuidado nas palavras e não porque tem alguma dúvida sobre o que lhe passa pela ideia. Até porque “O País das Maravilhas” também é o dela, daí que não seja necessário reflectir nas respostas, apenas nas sílabas: “Não tenho medo de dizer que parte desta história tem coisas minhas. Não é um filme biográfico, nunca poderia ser, não sei se alguma vez seria capaz de fazer uma coisas dessas. Mas há memórias que coloquei nesta história, há momentos que guardo, como todos guardamos, e aos quais não consigo fugir. Escrevi um filme sobre uma família. Realizei-o. Como é que havia de ser possível fazer estas duas coisas sem recordar-me da minha própria família, da minha casa e do caminho que fiz até aqui?”
Vendo bem, parece impossível imaginar que Alice Rohrwacher poderia ter feito “O País das Maravilhas” de qualquer outra forma. Tudo é intenso e frágil ao mesmo tempo. Gelsomina, a filha/irmã que é o centro de tudo, uma sonhadora em todos os intervalos da vida real, destemida a fazer frente (sem alaridos) a quem a impede de chegar mais longe e de ver mais mundo. Se a irmã, Alba Rohrwacher, tem alguma influência nisto? Talvez sim, talvez não. A actriz faz parte do elenco, é a mãe das sonhadoras, a mulher de um homem que não quer ter nada a ver com a mudança: “A minha irmã inspira-me, não podia ser de outra maneira, mas inspirar-me-ia de qualquer maneira. Trabalhar com ela? É incrível. Claro que discutimos mas toda a gente sabe que discutir com quem nos quer bem é fácil, porque depois fica sempre tudo bem.”
Se vai continuar a escrever e a realizar os próprios filmes – depois deste “País das Maravilhas” e de “Corpo Celeste” (2011) – é complexo de mais para termos resposta.Até porque pelo caminho há uma variável chamada futuro.Alice fala disso: “Não quero saber do futuro, não o consigo ver, não o consigo controlar, o melhor é não pensar muito nisso. Ando de um lado para o outro, estou a mostrar o filme ao máximo de pessoas possível e adoro fazê-lo. Ao mesmo tempo escrevo, claro que sim.Se tudo isto vai dar mais filmes? Sei lá. Não tenho regras, nunca fiz nada seguindo um método. Nisso acho que vou continuar a ser igual.”