Dizer que se vai visitar o Hotel do Chocolate é tiro certeiro para receber comentários que lembram a sorte que é ser jornalista. No meu caso, que nunca fui uma apreciadora, o desafio passa por perceber até que ponto se convive com os aromas e os sabores – que são contínuos, garanto – de um espaço em Viana do Castelo que foi em tempos fábrica da marca Avianense, mas pode agora ser comparado com a fábrica de Willy Wonka. É mesmo no imaginário de Tim Burton que entramos, logo na hora de passar o cartão magnético dado na recepção.
No quarto que simula o ambiente da Fábrica de Chocolate do filme só se descansa de luzes apagadas. Acesas, acabam por dar mais ênfase às cores que forram as paredes com formas de bengalas vermelhas e brancas, rebuçados coloridos e cascatas de chocolate. Nem os pormenores escapam ao cenário, com as mesinhas-de-cabeceira feitas como réplicas da cartola do protagonista. Em cada uma está o bilhete dourado que no filme era passaporte para uma fonte inesgotável de chocolate.
Longe de Hollywood a magia tem limites, mas o chocolate não se esgota depressa. Começa logo no átrio do hotel, com o boião gigante de pequenos chocolates que podemos tirar a qualquer hora. Ainda na recepção temos direito a um chocolate quente, que, de tão cremoso, ficamos na dúvida se é para beber ou comer às colheradas. No quarto está uma tablete de chocolate e um prato com quatro trufas de amostra de um dos itens mais famosos do menu do bar. As formas de apresentar o chocolate são tantas que quase nos levam a comer os pequenos sabonetes da casa de banho, que se assemelham a quadrados de uma tablete. O gel de banho e o creme de corpo não falham: cheiram a chocolate, são da cor do chocolate e lavam, asseguramos, apesar de a primeira impressão se assemelhar à de espalhar chocolate líquido pelo corpo.
Passeando pelos corredores, o castanho que se esbate entre a decoração nas paredes, as fardas dos funcionários e as cadeiras e sofás das esquinas fazem-me duvidar da capacidade sensorial. “Isto já é por sugestão ou cheira a chocolate?” A responsável pelo marketing esclarece que existem aromatizadores por todo o hotel, que, de uma forma suave, não deixam nunca que o cheiro do chocolate se dissipe.
Quem dorme no hotel tem entrada gratuita no museu que ocupa a cave do edifício que mantém a fachada original da fábrica dos chocolates Avianense, que funcionou naquele local entre 1922 e 2004. Descer as escadas para o -1 é o mesmo que entrar num mundo interactivo, com filmes de animação em 4D, vídeos que mostram o cultivo do cacau e até a hipótese de o cliente simular a produção de uma tablete de chocolate. Este pedaço é garantido a cada cliente, mas depois de aprender tanto é possível que a curiosidade leve a comprar mais variedades na loja à saída, onde se encontram produtos da Arcádia ou da Regina, assim como acessórios de pastelaria para experimentar em casa o que se aprendeu em dois dias de experiência sensorial.
RESTAURANTE Não bastavam as trufas no quarto, a tablete à saída do museu, o boião de minichocolates no átrio, ou o bombom que acompanha cada café pedido no bar. Para uma viagem completa, a última paragem tem de ser no restaurante do hotel, cujo menu, apesar de alguns pratos fixos, muda todos os dias, consoante as invenções do chefe Pedro Araújo. “Tratar o chocolate como um doce era a saída mais óbvia”, garante, aproveitando para explicar que, apesar de todos os pratos terem chocolate, não se deve pensar em sobremesas do início ao fim da refeição. “O chocolate não é doce, ao contrário do que se pensa. Antes da adição de açúcar o cacau é dos alimentos mais amargos que conheço”, esclarece. Assim, o entretém – recusa-se a usar a palavra couvert, por não ser portuguesa – é composto pelo básico trio de pão, queijo e presunto, mas desta vez acompanhado de chutney de maçã e cacau. A completar os salgados chega o creme de ervilhas com grué (grãos de cacau triturado), os filetes de choupa e os ábacos de costoletão, feitos de manteiga de cacau e grué. Nas sobremesas já vemos o chocolate como o conhecemos. Escolha entre o gelado de polpa de cacau e o bolo de chocolate com cobertura de mousse. Enjoado? O que é doce nunca amargou.