Dia Internacional da Literacia: inglês para quem merece!


Exma. Senhora D. Arlete Soeiro 3.ª subsecretária da secretária-adjunta Programa de auxílio aos povos indolentes e falidos Gabinete do secretário-geral Ban Ky- -moon Sede da ONU – NY – EUA Dr.ª Arlete Soeiro, Ainda não se conhece o programa das comemorações do Dia Internacional da Literacia da próxima segunda-feira, mas o ministro Crato já definiu…


Exma. Senhora D. Arlete Soeiro

3.ª subsecretária da secretária-adjunta

Programa de auxílio aos povos indolentes e falidos

Gabinete do secretário-geral Ban Ky- -moon

Sede da ONU – NY – EUA

Dr.ª Arlete Soeiro,

Ainda não se conhece o programa das comemorações do Dia Internacional da Literacia da próxima segunda-feira, mas o ministro Crato já definiu conceito, estratégia, opinião, tema e objectivos. Feito o mais difícil, um dos execrandos funcionários da 5 de Outubro queimará as pestanas para concretizar tão brilhante pensamento em actividades singelas. Se nada acontecer, também não é grave: o ministro já disse o que tinha a dizer.

Tenho comigo cópia da entrevista do Nuno Crato à TVI, a emitir amanhã, logo após a aula de ginástica gesticulatória do boneco Marcelo. As circunstâncias que me levaram a ficar a par de tudo isto são, em si, bastante elucidativas. Ainda com a beleza da catedral de Estrasburgo na retina, caminhava eufórico em direcção ao rio Ill, Rue des Récollets acima, quando inopinadamente tropeço no ministro, ou seja, caio no Crato! Conhecimento de longa data obriga-me aos salamaleques típicos do encontro entre dois portugueses no estrangeiro. Ainda a meio dos cumprimentos, perguntas e frases feitas aplicáveis à situação, dou–me conta de que o clarividente matemático saíra da European Science Foundation em direcção a um Mercedes negro que se mantinha na berma do passeio, ronronando sob partitura de alta cilindrada. Sim, essa mesma, aquela instituição que ninguém conhecia, estava falida e nada apresentável, e que o Crato salvou, encomendando-lhe a avaliação das unidades de investigação portuguesas. Percebi então que o ministro estava em Estrasburgo, em Agosto, pela mesma razão que eu. A mesma, é como quem diz, semelhante… Eu fugia dos parlamentares e demais pessoal político que noutros meses enxameiam a cidade, para poder visitar a catedral em paz; ele para discretamente visitar os seus dilectos validos.

Cruzando o meu olhar, que ia da porta da fundação para o Mercedes e daí para ele, o ministro desfez-se em juras e negas: “Não, nada disso, não vim discutir se fico CEO ou membro honorário vitalício, nem discutimos contrapartidas, partidas ou inteiras… Sabe, ficou muito calor em Davos, onde estava a passar férias, e pronto… vim subindo o Reno… para refrescar. Foi isso mesmo: vim refrescar-me!”

E, vendo que eu me preparava para insistir: “Afinal o motivo da sua visita à…?”, o ministro saca de um DVD, entrega-mo e confidencia-me em voz baixa : “Deixe lá essas coisas, isso agora não interessa mesmo nada. O importante é a política de combate à iliteracia que acabo de definir na entrevista à TVI. Veja-a e diga–me a sua opinião. Temos de pensar num plano concreto e você é a pessoa certa para o dirigir. Fico à espera, hem?…”

Refugiado no meu quarto de hotel, retenho as frases mais contundentes da entrevista: “A prioridade é alfabetizar em inglês! Os analfabetos do português, os que não conseguem ler um horário da CP… temos de lhes dar tempo para que morram e, a pouco e pouco, deixem de ser um problema. Temos é de atacar já o problema da iliteracia funcional em inglês. A bem da mobilidade da nossa força de trabalho e das receitas do turismo. (…) Não, não, o ensino da língua inglesa não será para todos, só para os que merecem e para os que podem pagar, que, como sabe, em Portugal como em todo o mundo, são os mesmos. (…) Assisto a esta coisa espantosa: no ensino privado, 98% dos professores declararam–se interessados em receber mais dinheiro do Estado para leccionarem mais horas de Inglês, enquanto no público os professores se recusam a aumentar horários só porque não vão receber mais! Não acha isto extraordinário? Com tantos horários zero?!… Ou, espere lá, parece-me que já tinha dito que ia acabar com isso, não foi?”

Inclino-me e retiro-me,

Ricardo Barata de Leão

ricardobarataleao@gmail.com