Três décadas de interregno não se traduzem em enferrujamento. A prova disso é Penim Loureiro, que regressa ao activo com uma obra que promete agarrar quem se cruzar no seu caminho. Miguel Branco foi uma vítima que nem luta deu
Penim Loureiro foi um dos jovens autores de banda desenhada que, no início dos anos 80, saltou fora do barco dos quadrados ilustrados, meio desencantado com o elitismo da época. Depois disso dedicou-se à arquitectura, sobretudo à reabilitação, o que neste caso significa campanhas arqueológicas a monte e outros tantos sustos. Seguiram-se tempos de acalmia, a abertura de um ateliê, ilustrações diversas por todo o país, até que chegou a carreira académica. Três décadas depois, Penim não conseguiu resistir a expulsar o nó que tinha na garganta, uma história parada no tempo desde que largou a banda desenhada. “A Cidade Suspensa” segue a vida de três amigos que a vida – e eles mesmos – trata de separar. E bem se sabe como podem ser duros os reencontros.
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Dedicou-se à BD de 79 a 84 e fez uma pausa de três décadas para agora regressar com “A Cidade Suspensa”. A que se deve este retorno?
Abandonei o universo da banda desenhada em 1984, desanimado. Em parte fui compelido por personalidades e procedimentos no contexto da divulgação da BD. Creio mesmo que muitos jovens autores de BD, da geração que surgiu durante a primeira metade da década de 80, foram empurrados a desistir pela acção do ambiente bedéfilo instituído na altura.
Voltar ao activo nunca tinha sido uma opção até agora?
Nunca pensei seriamente nisso, porém também nunca coloquei essa hipótese definitivamente de parte. Na realidade, nunca fiquei indiferente a este afastamento e o silêncio começou gradualmente a parecer-me insuportável, tinha vontade de contar histórias.
Há quanto tempo começou a pensar no livro?
Creio que comecei a pensar nesta história logo que abandonei a BD, mas resisti durante 30 anos e não fiz nada. Entretanto, o argumento foi-se valorizando naturalmente com novos acontecimentos. Apenas em 2007 tomei a resolução de contar esta história, cheguei mesmo a iniciar algumas vinhetas, mas tive de interromper por falta de disponibilidade. Retomei os desenhos somente em 2013, e em dois meses tinha praticamente todos os desenhos concluídos. Acabei por demorar mais tempo para adaptar as pranchas a uma narrativa mais próxima da tipologia de banda desenhada e a fazer a versão em inglês para publicação.
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A obra parece ter bastantes traços autobiográficos. O que é que no enredo é real?
Alguns episódios narrados aconteceram na realidade, se bem que em contextos diferentes, e a vertente de catarse pretende-se que seja óbvia. Tratou-se de uma espécie de confissão que encerra um capítulo de forma a iniciar outro novo. Algumas personagens são a fusão de vários indivíduos reais, outras baseiam-se em pessoas autênticas cujo desenho reflecte semelhanças físicas.
Fez mesmo uma expedição à Tunísia? Perdeu efectivamente um amigo no deserto do Sara?
Sim, a campanha na Tunísia existiu na realidade, teve um incidente no deserto, mas com um desfecho diferente, sem tiros. Sabes, no deserto já perdi vários amigos. Não quero dizer que morreram, mas neste ambiente primordial tende a revelar- -se a verdadeira essência das pessoas. O deserto assume uma metáfora para a ausência total de referências.
Percorre um largo período de tempo, desde 62, quando a Ponte 25 de Abril ainda estava em construção, até 2006. Porque quis explorar este conceito?
Tento fazer um registo de diferentes estratos do tempo, uma espécie de arqueologia dos vários sedimentos temporais, onde se sobrepõe o presente, o passado e mesmo o imaginário. A ponte incompleta pareceu-me uma imagem poderosa de imutabilidade, do estar preso a um lugar, que contrasta com o futuro anunciado.
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Na sinopse diz que este livro tem o “anseio existencial de escapar à banalidade”. Como se faz isso?
Bom…ponho os carros a voar. Há certamente outras maneiras de o fazer em BD. O desejo de fuga é ancestral no homem urbano. Pareceu-me a forma mais legível de transmitir a determinação humana de se libertar das suas limitações, de se soltar da gravidade que o oprime.
Tendo-se dedicado à reabilitação arquitectónica e à arqueologia, conheceu muitas cidades suspensas?
Em termos de reabilitação do património o que há mais é “cidades suspensas”, mas é igualmente essa inquietação transmitida pelas frágeis harmonias do património que as torna mais fascinantes.
Lisboa é o arquétipo perfeito de uma cidade suspensa?
Sim, é um paradigma.
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“A Cidade Suspensa” deu origem também a uma exposição na El Pep Gallery chamada “Penim à transparência”. O que estava patente nesta exposição?
Muitos dos meus desenhos foram executados em papel vegetal e estes desenhos revelavam como as composições foram construídas, com apontamentos escritos e de cor. Nesta exposição decidi – com o apoio do Pedro Pereira da El Pep – não expor desenhos acabados ou coloridos, mas apenas esquissos feitos sobre bases transparentes, que explicavam um certo historial do meu procedimento.
Podemos esperar um segundo capítulo d””A Cidade Suspensa”?
A narrativa d””A Cidade Suspensa” acabou. Aliás, este fim já estava anunciado ainda antes da publicação. Este projecto teve uma vida própria, feita pela exposição da história e dos esquissos online. No facebook, durante vários meses, fui diariamente partilhando todo o processo de criação desta BD, dos primeiros esboços aos desenhos coloridos finais. A sua publicação pela Polvo foi o capítulo (feliz, na minha opinião) e derradeiro deste projecto.
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