Uma estrela olímpica como nadador salvador, celebridades, e o aparecimento do biquini. Durante 60 anos, tudo isto aconteceu na piscina mais emblemática de Paris, que agora reabriu em versão hotel. Carolina Pelicano Falcão conta-lhe a história
É sabido que onde há água, há diversão. Verdade mais ou menos universal, basta pensar nos mergulhos no rio, no furar as ondas do mar, na tentação de chapinhar em poças, nas lutas de garrafas de água ou nas bombas na piscina para que as potencialidades do líquido cristalino descarrilem num sem fim de ideias recreativas.
Ainda há bem pouco tempo, no jardim do Torel, em Lisboa, a insistência da miudagem do bairro em mergulhar na fonte do dito jardim, fez surgir, ora aí está, uma praia, ali mesmo entre o betão dos edifícios nas proximidades e o arvoredo do miradouro um pouco mais acima. Deixemo-los então aproveitar o resto da estação quente nesta praia da colina lisboeta e recuemos a história mais antiga, que também mete água, e uma capital – Paris.
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Falamos-lhe de Molitor, a piscina mais emblemática da cidade parisiense, fundada em 1929 e, porventura, a concorrente nesta mesma categoria com outras internacionais. Seja como for, a história da Molitor merece destaque solitário. Depois de sessenta anos de funcionamento, a piscina fechou, em 1989, tendo sido deixada ao abandono por 25 anos. Agora, no passado mês de Maio, reabriu com o esplendor de antes. Mas vamos à história. E como guia para esta viagem, a única coisa a saber é que toda e qualquer ideia do que é hoje uma piscina deve ser convenientemente deixada de lado.
Molitor é sinónimo de glamour. Em grande parte da informação que se encontra sobre este lugar, a definição mais comum diz-nos: “Molitor is the place to be”. Basta pensar que em 1929, a piscina foi inaugurada pelos nadadores olímpicos Aileen Riggin e Johnny Weissmuller. Desenhada pelo arquitecto Lucien Pollet, Molitor foi concebida para se assemelhar a um navio transatlântico, com as suas linhas azuis e amarelas, as suas janelas circulares e decorada ao estilo Art Déco, cheia de vitrais, obra do artista francês Louis Barillet.
Mas nada disto diz, só por si, da vida desta piscina. É que naquela época do século XX, este era o lugar onde tudo acontecia, ou, seguindo outra frase chave encontrada, “Molitor is a place to see and be seen”. O mesmo será dizer que um dia na piscina se tratava, na verdade, de um acontecimento social. A Molitor, em pleno bairro Île-de-France, era povoada por celebridades. O próprio Johnny Weissmuller, um dos nadadores olímpicos que inaugurou o espaço, ficou pela Molitor uma temporada, imagine–se, para dar aulas de natação e ser nadador-salvador. O mesmo seria pensarmos em Michael Phelps ao serviço da miudagem da praia do Torel.
Mas a peculiaridade desta piscina não se esgota no calibre da sua vigília aquática. O Molitor era lugar de constantes desfiles de moda, performances teatrais e outras galas. No Inverno, a actividade mantinha-se, coisa feita pelo próprio frio: a água congelada transformava a piscina em recinto de patinagem. Uma das suas histórias mais emblemáticas conta ainda com um acontecimento marcante. Em Julho de 1946, a Molitor foi palco de uma sessão fotográfica que celebrava o aparecimento do biquíni, o primeiro desenhado por Louis Réard, com o qual desfilou a dançarina Micheline Bernardini. O sucesso do acontecimento foi tal que Bernardini recebeu cerca de 50 mil cartas de fãs entusiasmados. Como diria o fotógrafo francês Gilles Rigoulet, que em meados dos anos 80 iniciou um trabalho fotográfico na Molitor e noutras piscinas pelo mundo, “aquela foi a era das piscinas de recreio”.
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E durante 60 longos anos, foi esta a vivência glamorosa que povoou este transatlântico estático na reluzente Paris. Com o decorrer das décadas, a Molitor foi-se desmoronando e as autoridades da cidade não tiveram como manter o edifício. Fechava-se assim, em 1989, um caleidoscópio de histórias, vedetas e rebuliço de vida social. O próximo passo seria converter o lugar em empreendimento habitacional, situação salva pelo SOS Piscine Molitor, um grupo comunitário local empenhado em preservar este santuário. Um ano depois, a 27 de Março de 1990, o mesmo seria reconhecido como património histórico nacional.
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Mas que esta atribuição etiquetasse o Molitor na prateleira das relíquias histórias, o local, abandonado, tornou-se poiso de jovens com outras ideias recreativas. Durante os 25 anos em que a antiga piscina esteve abandonada, em 12 deles o lugar converteu-se em skate park, terreno para graffiters e raves ilegais. Uma delas ficou para a história quando, em 2001, o colectivo tecno francês Heretik conseguiu aí reunir 5000 criaturas festeiras. Só em 2008 é que a Accor, cadeia francesa de hotéis, comprou o espaço e se dedicou a recuperá-lo, revigorando-o no seu antigo esplendor. Na nova Molitor, que abriu a 19 de Maio, dificilmente encontrará a vida de outrora. Mas o espaço, que manteve a traça original, surge agora como um hotel de 124 quartos, um spa, um ginásio e um bar num telhado. Importante deixar uma advertência: Molitor é lugar absolutamente exclusivo. É possível frequentar a piscina apenas se ficar no hotel, o que se traduz em 215 euros por dia (preço por uma noite de estadia). Pode também optar por se fazer membro do hotel, por 3000 euros por ano, ou ser membro por apenas uma dia. Ou seja, é como ir dar um mergulho por 180 euros.