Ex.ma Senhora Arlete Soeiro
3.a subsecretária da secretária-adjunta
Programa de Auxílio aos Povos Indolentes e Falidos
Gabinete do secretário-geral Ban Ky-moon
Sede da ONU – NY, EUA
Dr.a Arlete,
Como já deve ser do conhecimento do secretário-geral, o Presidente Cavaco Silva resolveu, fazendo jus ao seu apurado faro político, à extraordinária capacidade de antever as crises e aos relevantes conhecimento internacionais de que é superiormente dotado, começar desde já a preparar um plano de acção para o Dia Internacional da Caridade, que se celebra a 5 de Setembro, dia da morte da Madre Teresa de Calcutá.
Corre que a decisão foi também motivada por saber que, mais uma vez, o governo nada tem preparado e por já não poder ouvir o amigo Seguro falar- -lhe de catástrofe social. Seja como for, após prolongada ponderação, que, diz- -se, estragou as férias dos vizinhos de Boliqueime, tal era o ruído produzido pelo pensar do Presidente, a decisão impôs-se: chamaria a Belém um conjunto de gente com largas tradições caritativas e logo se veria o que fazer. É o método a que nos habituou sempre que detecta perigos iminentes: organiza um corrupio a Belém, entram e saem, cada qual diz o que lhe parece, o Mário Soares vai para casa mais cedo comer um bife, os jornalistas acampam em Belém, os assessores apresentam-se de olheiras e mal dormidos, é uma roda-viva, dá ideia que alguma coisa vai acontecer, aumenta o suspense, cresce a vaga de comentários sobre o que fará ou não fará Cavaco, o país contém a respiração… até ficarmos a saber que não, nada de novo, o Presidente ouviu, agradece a todos e vai continuar a pensar. Boa noite e até à próxima!
Houve quem estranhasse que o cansadíssimo Carlos Costa tivesse sido chamado. Mas o próprio explicou cabalmente a sua presença: “Como regulador eu não sei de nada, não antecipo coisa nenhuma, mas sou especialista em definir quem paga os prejuízos e quem se safa. Ora esta é, como se sabe, a problemática central da caridade.” Fernando Ulrich foi chamado para explicar como viveria debaixo da ponte sem um euro no bolso e se o BPI pagaria almoços aos desempregados que quer pôr a trabalhar de graça no banco, ou se seria preciso mobilizar a Cáritas para tal fim. Ricardo Salgado telefonou, mas foi-lhe dito que não aparecesse porque o Presidente não estava à procura de saber como criar novos pobres, mas sim de como combater a multiplicação destes.
Fontes de Belém asseguram, contudo, que o Presidente não se decidirá em função destas opiniões, mas sim a partir de um relatório informal que está a ser elaborado pela primeira-dama. A minha Maria tem sido vista a sair do palácio altas horas da noite disfarçada de Madre Teresa de Calcutá, acompanhada por duas assessoras em iguais preparos e determinada a descobrir pobres reais. Consta que a tarefa se tem revelado árdua e improfícua. Maria não dá com os pobres. Esquadrinhou a Madre de Deus e concluiu que a Manuela Eanes anda a mentir: não encontrou um único pobre, apenas uma data de pobretanas! De resto, todos os sem-abrigo com que o trio se deparou, ou falavam línguas obscuras, ou um português do tempo do Gil Vicente (enriquecido com algumas interjeições modernas), pelo que não foi possível reter uma única ideia do que seria necessário fazer para melhorar a sua sorte. Assim, a principal conclusão desta azáfama caritativa não constará do tal relatório informal, pois é de carácter estritamente pessoal. No regresso de mais uma batida nocturna, desfazendo–se dos trajes de disfarce, a primeira-dama terá confessado às suas assessoras. “Olhem, meninas, já decidi: vou passar a frequentar a night lisboeta, que é muito mais divertida do que o Aníbal diz! Afinal a caridade bem organizada começa por nós próprias, não é?”
Inclino-me e retiro-me,
Ricardo Barata de Leão
ricardobarataleao@gmail.com