Taste in Adegas. Os vinhos brancos do Pico mostram as suas garras


A pouco e pouco os produtores da ilha vão aderindo a uma melhoria de qualidade, garante António Mendes Nunes. A classificação pela Unesco tem ajudado e o Arinto by António Maçanita já se encontra na carta de alguns dos melhores restaurantes do mundo, incluindo o De Karmeliet, três estrelas Michelin, na Bélgica. Mas ainda falta…


A pouco e pouco os produtores da ilha vão aderindo a uma melhoria de qualidade, garante António Mendes Nunes. A classificação pela Unesco tem ajudado e o Arinto by António Maçanita já se encontra na carta de alguns dos melhores restaurantes do mundo, incluindo o De Karmeliet, três estrelas Michelin, na Bélgica. Mas ainda falta ganhar o reconhecimento fora da região insular

Se há uma dúzia de anos alguém aventasse a hipótese de que um vinho branco do Pico podia entrar no lote dos mais interessantes vinhos do mundo era olhado, de certeza, como doido varrido. Pois bem, essa mudança aconteceu e os brancos do Pico tornaram-se vinhos de grande qualidade. Por detrás desta transformação está o trabalho de muita gente, a começar por alguns produtores locais bem assessorados por enólogos com créditos firmados no Continente (António Maçanita, Paulo Laureano ou Anselmo Mendes). É justo referir o trabalho desenvolvido pela Adega Cooperativa do Pico, pela sua enóloga Maria Álvares e pelo presidente, Ernesto Ferreira. Para dar a conhecer essa mudança realizou-se no início deste mês a segunda edição do Taste in Adegas, uma iniciativa que convida os produtores aderentes a abrir as suas adegas aos picarotos e visitantes da ilha, dando-lhes a provar os respectivos vinhos harmonizados com iguarias preparadas pela Escola de Formação Tutística e Hoteleira dos Açores em mais uma iniciativa a mostrar a capacidade de iniciativa e de intervenção dos elementos da escola, liderados por Filipe Rocha.

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Uma adega no Pico é muito mais do que uma adega tradicional, é o espaço onde se faz o vinho, onde se guarda, mas é sobretudo, o sítio onde se recebem os amigos uma verdadeira sala de visitas do agricultor, onde se provam vinhos e petiscos.

Visitámos a Adega da Buraca, onde, a par dos seus vinhos Curraleta, licoroso e licores vários, Leonardo Silva recuperou uma série de ferramentas, móveis, pipas e outros objectos, num espaço de exposição que permite perceber como era em tempos a vida das gentes do Pico. Contou-nos que devido ao isolamento a que as ilhas estiveram sujeitas durante séculos toda a madeira servia para fazer as barricas e mostrou-nos uma, antiga, feita em pau de loureiro, uma planta vulgar na ilha.

Além da Adega da Buraca, mais seis produtores aderiram este ano ao Taste in Adegas: Fortunato Garcia (Czar), Paulo Machado (Insula Vinus), Marco Faria (Curral Atlantis). Padro Saraiva (Cancela do Porco), a Cooperativa do Pico e António Maçanita, com o fantástico Terrantez do Pico, uma casta que este enólogo encontrou em vias de extinção e que hoje se encontra já com boas perspectivas de vida.

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Podemos recuar até praticamente ao século xv, pouco depois do descobrimento da ilha, para encontrar o início do cultivo da vinha no Pico, com pés de videiras provavelmente trazidas por frades franciscanos da Sicília. O verdelho era a casta rainha, mas o primeiro grande problema a resolver foi como plantar vinha em solos que eram de rija lava vulcânica. Conta-se que terá sido um frade, Frei Pedro Gigante, o primeiro a descobrir que a videira se dava bem nas fendas das pedras, ou que bastaria partir as lajes para que as raízes da videira pudessem encontrar solo mais fértil. E que fazer com as pedras arrancadas ao solo? Com elas os agricultores foram construindo pequenos muros, que além de desimpedirem o terreno serviam de protecção contra os ventos carregados de sal que sopram do mar, e ainda de estufa, porque permitiam acumular o calor do sol durante o dia, formando de noite condensações, muito úteis ao alimento da videira. Nasciam assim esses pequenos espaços rectangulares chamados currais, que até hoje se mantêm. Depois há outros muretes mais altos que englobam vários currais e que se chamam jeirões. O cultivo do vinho prosseguiu durante séculos de vento em popa, até ao segundo quartel do século xix, quando primeiro o oídio e depois a filoxera mataram as vinhas. Começou uma época de abandono por parte dos grandes proprietários e de miséria para os picarotos. Depois veio a salvação do vinho americano e assim foi durante um século. Ainda hoje a produção do chamado vinho de cheiro predomina, mas cada vez mais produtores se rendem à qualidade. Hernâni Jorge, director regional do Ambiente, adiantou-nos que, desde há dez anos, quando a paisagem de cultura da vinha se tornou Património Mundial, a área de cultivo de qualidade com métodos tradicionais aumentou para o dobro.

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Muitos destes vinhos têm pequenas produções e dificilmente são encontrados fora dos circuitos açorianos. Mas vale a pena procurá-los e prová-los. É, sem dúvida, uma belíssima e gratificante experiência.