Exma. Senhora D. Arlete Soeiro
3.ª subsecretária da secretária-adjunta
Programa de auxílio aos povos indolentes e falidos
Gabinete do secretário-geral Ban Ki-moon
Sede da ONU – NY – EUA
Dr.ª Arlete,
Esta é uma missiva de protesto que urge entregar ao secretário-geral, sem mais delongas! Os portugueses conhecem a morosidade típica do processo decisório da ONU. Estamos disso tão conscientes que no léxico consentâneo com o Acordo Ortográfico substituímos a expressão “no dia de São Nunca à tarde” por “na madrugada de Santa ONU para o dia de São Maçon”.
Porém, a situação a que chegámos é intolerável! Encontramo-nos a 3-dias-3 do Dia Mundial do Combate à Seca e à Desertificação e o dr. Ban hesita, reúne conselheiros, pondera, fala línguas, suspira, contempla a lua, agita telefones vermelhos e amarelos e não decide o que a todo o mundo se impõe com cristalina evidência: só há um sítio onde comemorar tal dia: Portugal!
Que mais podemos nós, povo martirizado pela seca e pela desertificação, fazer para desbloquear as capacidades volitivas do secretário-geral? Apoiámos com megamanifestações o lema por ele escolhido para este ano: “Não deixes o nosso futuro secar”; tornámos viral no YouTube a cena da Luciana Abreu cantando “TSU, TSU é uma seca! Viva o Ki Ki!”; enviámos milhões de mails: “Estamos com Mr. Moon! A Lua não é seca!”
E mais: em que outra língua se pode escrever com propriedade duas vezes seguidas a palavra seca, afirmando coisas com sentido, embora não perceptíveis pelo interlocutor paralisado por não conseguir determinar se se trata de uma “séca sêca”, ou de uma “sêca séca”, ou apenas de uma ênfase para uma grande seca, tipo “séca séca”?
Por amor dos ciclones, um povo que tem como Presidente o Sr. Cavaco Silva e já aguentou dez anos o general Eanes e dois anos o sr. Vítor Gaspar é, por certo, o campeão da seca!
E quanto à desertificação, a ONU já reparou que praticamente deixou de haver portugueses em Portugal? A nossa última esperança era revitalizar o Observatório Astronómico de Lisboa, garantindo que Passos Coelho nunca se afastaria mais de 1 km da Tapada da Ajuda. O deserto de ideias que mora naquela cabeça provoca uma atmosfera tão seca que absorve toda a húmida nocturna, permitindo ao nosso telescópio observar um céu muito mais nítido do que o visível no deserto de Atacama, no Chile. Infelizmente, Passos recusou o contrato. Argumentou que pareceria estar a candidatar-se ao vizinho Palácio de Belém!…
Segue programa definitivo da estadia do dr. Ban Ki-Moon em Portugal:
1) Chegada a Lisboa pelo luar de dia 16. Recepção de boas-vindas no aeroporto de Figo Maduro, sem o ex-futebolista nem o ministro homónimos, mas com banda de majoretes descalças até ao pescoço, dançando ao som do “Aqui ao Luar” dos Xutos e Pontapés;
2) Embarque da comitiva internacional acabada de chegar. Acompanham-na as majoretes, a banda, os restos do governo e do Tribunal Constitucional, dois acamados e os três surdos-mudos que ainda não emigraram. Em avião autónomo segue um tresloucado que garante ser o ministro dos Estrangeiros e não pára de gritar: “Eu quero ficar no protectorado!” Vai assistido pelo dr. Manuel Monteiro e pelo seu putativo biógrafo, Luís Osório;
3) Após o capitão Travassos lhe garantir que o país ficou, finalmente, completamente deserto, o secretário-geral da ONU gritará, com voz triunfante e num português melhor que o do papa João Paulo II: “Todos para a Madeira, já!” Tripulação e passageiros respondem, cantando em delírio o refrão: “Vamos para a festa / acabou-se a seca / o Alberto João é mega / vamos para a festa!”
4) Manhã de dia 17: aterragem no aeroporto do Funchal, decorado de bananas e fio de ráfia. Abertura das portas do avião seguida de chuva de confetti e euros – viva a chuva, é preciso combater a desertificação!
Inclino-me e retiro-me,
Ricardo Barata de Leão
ricardobarataleao@gmail.com