O que fazem um israelita, um palestiniano e um alemão na mesma sala? Sim, é mesmo isso que está a pensar, pode dizê–lo em voz alta: falam sobre religião. Confrontam-se, discutem, possuem, gozam, fazem pouco das suas e de outras crenças. O que podia facilmente ser uma anedota de mau gosto é “A Véspera do Dia Final” (ou “The Day before the Last Day”), uma peça sem tabus e de humor mordaz por Yael Ronen. A encenadora israelita pegou no que vê à sua volta e projectou-o em palco, onde todas as grandes questões do mundo podem ser pensadas entre risos.
“Estamos no meio de um processo divino que levará ao fim dos tempos.” “E à última guerra destrutiva.” “Uma guerra tão destrutiva que fará o Holocausto parecer um churrasco.” E estamos só a começar. Afinal o teatro quer-se assim, sem receio de tratar as coisas pelos nomes ou de exagerar quando é preciso. “Tentámos responder a este sentimento, estar no clímax desta grande mudança global em 2012, com outra questão: qual seria o papel da religião no meio destas mudanças? Estaria a tornar-se mais religioso ou secular?”, conta Yael a propósito do espectáculo que estreou em Berlim o ano passado.
Foram precisas muitas conversas com especialistas, tanto do meio político como religioso, para construir este enredo, conta-nos a encenadora. O trabalho arrancou em Israel, mas também passou pela Europa, mais especificamente por território alemão. O resultado está à vista: “Não tem uma história ou personagens. Parecem gravações do YouTube ou uma conferência que ficou descontrolada.” Fala-se de fé, da identidade das religiões e dos povos e suas gentes. Fala-se de tudo isso, por actores também eles de feições e meios diferentes. Nada que afecte a cumplicidade do grupo: “São todos bons amigos, conhecem-se muito bem.”
Filha do director do Teatro Nacional de Israel, Yael começou a encenar com apenas 26 anos: “Praticamente cresci no teatro e na sala de ensaios sempre senti essa atracção. Comecei a representar mas depois apercebi-me de que era demasiado controladora. Tornei-me encenadora para ser responsável de toda a criação.” Com oito peças no currículo, já não se preocupa com o pesado nome de família. Ser filha de quem é criou pressão, admite, mas apenas nos primeiros tempos. “Depois consegui respirar, o fardo foi deixado para trás.” Ter crescido em Israel é uma mais-valia para a arte: “Acho que quanto mais complexas e problemáticas são as realidades, melhor é o território para os artistas. Tens uma relação muito intensa com aquilo que vives”, confessa. “Quase sinto pena dos artistas suíços”, comenta entre risos.
“A Véspera do Dia Final” é consequência das vivências e do meio que a artista conhece. Provoca reacções intensas, inesperadas. Há quem tenha saído a meio do espectáculo em Israel. “Há gente que grita”, conta. “Até já tivemos um membro do público a levantar-se para beijar um dos actores. Mas todos os espectáculos são diferentes porque a audiência também o é, sempre.”