Desde que Tó Trips e Pedro Gonçalves, dos Dead Combo, escolheram o Sol e Pesca para levar Anthony Bourdain a petiscar em Lisboa que é difícil encontrar lugar nas mesas da pequena loja no Cais do Sodré. Até na esplanada – na rua recentemente fechada ao trânsito – não se encontram lugares vazios. Felizmente vamos falar com o dono que nos acena de uma das mesas com uma cerveja na mão. Henrique Vaz Pato, de 45 anos, acaba de lançar um livro com as receitas das provas de conservas do Sol e Pesca, uma boa maneira de assinalar o segundo aniversário da loja.
A visita de Anthony Bourdain pode ter sido decisiva para o aumento da popularidade da antiga loja do Marreco, como era conhecida pelos pescadores do Cais do Sodré, abandonada há vinte anos. “A motivação para abrir esta loja só surgiu depois de conhecer o espaço abandonado em 2010”, conta-nos Henrique, que também é arquitecto e trabalhou no projecto de recuperação de um hotel na mesma Rua Nova do Carvalho. “O dono do prédio, que também é um dos sócios, mostrou-me a loja e achei-a especialmente curiosa com todos os artigos de pesca antigos.” Aliás, muitos deles, como bóias, anzóis e canas de pesca, ainda se encontram no meio dos expositores que agora alojam quase 100 conservas.
Bourdain, o apresentador do programa de viagens gastronómicas “No Reservations”, do Travel Channel, sentou-se em Dezembro do ano passado numa das pequenas mesas do Sol e Pesca e fez desaparecer em poucos minutos petiscos como muxama de atum, carapaus alimados, sardinhas na broa e ovas. “Foi tudo combinado com a produtora do programa”, conta Henrique. “Os Dead Combo quiseram trazê-lo aqui e nós aceitámos. Os americanos têm poucas conservas e qualquer leque um bocadinho diverso é uma viagem no espaço que nunca imaginaram existir.”
Os pratos servidos a Anthony Bourdain não foram preparados para a ocasião. São as provas sugeridas a quem visita o Sol e Pesca e custam entre 4,5 euros (as sardinhas Pinhais com broa) e 8 euros (as ovas de sardinha). Quando a loja abriu em 2010, as pessoas pensavam que apenas vendia artigos de pesca. “Vinha cá muita gente perguntar isso”, recorda Henrique. Quando se começou a livrar desse rótulo, ainda não era considerada uma loja de conservas onde se podia petiscar e era mais vista como um bar – um dos pioneiros da nova vida do Cais do Sodré. “Durante esse ano estivemos aqui um bocado sozinhos na rua e fomos começando a chamar outro tipo de público.” Agora, já é conhecida como uma loja que vende conservas e onde se pode petiscar até às quatro da manhã (de quinta a sábado).
A lista de conservas é longa e para as provar na loja terá de pagar dois euros (além do preço da conserva) que já incluem pão e temperos. Com o lançamento do livro “Sol & Pesca – Receitas e sabores das conservas portuguesas” pode prepará-las em casa e com refeições mais baratas.
Na mesa Se tem a ideia de que atum enlatado é comida de campismo ou que se come quando não há comida no frigorífico está enganado. Basta ver as receitas de Henrique. Tomates recheados com atum, esparguete à São Jorge (com atum e queijo açoriano), cuscuz de atum e pudim de atum são alguns dos exemplos criativos.
“O livro foi um convite da editora [Clube do Autor] e é a transposição de algumas provas que são feitas aqui e outras transformadas a partir de receitas tradicionais aplicadas às conservas e não ao peixe fresco”, explica Henrique. No livro faz um agradecimento à mãe, mas não por lhe ter dado a conhecer receitas. “Foi mais pela influência na forma de fazer as coisas muito simples e muito práticas. Somos uma família grande, tanto estamos dez como 20 ou 30 à mesa e há sempre lugar e refeição para mais um.”
As receitas de conservas também são assim. Preparam-se em pouco tempo e sem grandes complicações. Uma das mais pedidas na loja, e que está muitas vezes esgotada, é a muxama de atum. “Só a [conserveira] Dâmaso é que a faz, uma empresa pequena e artesanal, daí que esgote com facilidade”, continua Henrique. “Depois o sabor é muito curioso, parece um presunto de peixe, daí que até costumo aconselhar a comer com melão.” O truque para a muxama é servir em fatias muito finas, como o presunto. Mas sem serem cortadas à máquina. “Com uma faca a muxama ganha uma heterogeneidade e sabores diferentes.”
As conservas do Sol e Pesca são todas portuguesas, à excepção de uma: os fígados de bacalhau. “Os portugueses deixaram de consumir e deixou de se fabricar. A que tenho aqui é islandesa mas é o único produto que não é português”, garante Henrique.
Para acompanhar as receitas, e como a loja de conservas também é um bar, Henrique dedicou um capítulo do livro às bebidas ideais para acompanhar as conservas: “Espumante e champanhe bruto, vinho verde desde que não seja muito frutado, chá gelado de hortelã e limonada com pouco açúcar.”